sábado, 21 de novembro de 2009

Segunda- feira!

Segunda- Feira!
Acordo com o General gritando no meu ouvido para que eu me levante e dou um tapa nele para que se cale.
Não, não é nenhum militar, General é só o apelido que dei para o meu tirânico despertador da General Eletric!
Devia me levantar, mas sofro de uma doença terrível chamada síndrome de Garfield (Aversão total as segundas!) e decido ficar mais dez minutinhos na cama.
Uma hora depois, meus "dez minutinhos" terminam e, atrasado, me lanço feito a apollo 11 para o trabalho, ou seja, com vários contratempos pelo caminho!

"Houston, temos problemas!"

"O que houve, Apollo?"

"É o trânsito, a cidade está parada!"

AH! Segunda- feira!
Um dia mágico onde nos sentimos mais próximos das pessoas, muito... muito mais próximos!
Dizem que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço. E por acaso lá no espaço eles precisam se preocupar com isso? Tem tanto "espaço" que até chamaram o lugar assim! Tem "espaço" até pra luz manobrar e fazer curva!
Já aquí, na Terra! No metrô e nos ônibus! Não só dois, como três ou quatro corpos ocupam o mesmo lugar sim! Ocupan até onde não é lugar, tipo no corredor do ônibus, e até onde não é nem ônibus! Como o povo pendurado na porta para o lado de fora da condução!

Cientificamente foi comprovado que é o dia mais longo da semana.
Aposto que Einsten criou a lei da relatividade numa segunda após pegar um desses ônibus bem lotados, depois tirou sua famosa foto descabelado (Eu pelo menos costumo sair naquele estado do coletivo).
Imagine o fotógrafo olhando espantado para Einsten e perguntando:

"O que diabos aconteceu!?"

E o físico respondendo:

"Descobrí que o tempo é relativo!"

Que, traduzindo para o popular, quer dizer:

"Eta segunda- feira que não acaba!"

Mas, enfim, se fosse para a segunda- feira ser boa, ela se chamaria primeira- feira e começaria lá pela quarta!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pimenta no olho do outro é colírio!

Pimenta no olho do outro é colírio!

Não é com orgulho que admito, mas hoje essa frase foi verdadeira para mim pois o "outro" em questão tratava- se de um criminoso.
Um grupo de bandidos havia roubado um caminhão carregado de camisetas, só que acabaram sendo localizados pela polícia durante o transbordo do produto do roubo atravez do sistema de rastreamento do veículo em uma empresa de logística na zona norte.
Na abordagem varios ladrões fugiram e um deles tentou se esconder dentro de um tambor sem saber que o líquido dentro dele era soda cáustica.
Por sí só isso já não é uma visão bonita! Mas não parou por aí.
Todos nós já ouvímos histórias de policiais que maltratam os criminosos ao prendê- los, mas posso garantir que neste caso não foi a intensão dos PM's, pelo contrário, eles se compadeceram do desespero em que o infeliz, ensopado de soda cáustica, se encontrava e o levaram até o vestiário da empresa para um banho.

"Deixamos que ele passasse uma água no corpo para aliviar um pouco o ardor na pele do indivíduo!"

Foi o que o Tenente me disse ao comentar o caso.
Não disse nada ao oficial, mas acontece que o sódio, presente na composição do produto químico, é extremamente reagente em contato com a água!
Bolhas terríveis eclodiram na pele do bandido que passou por dois hospitais antes de encontrar um capacitado para cuidar de suas queimaduras.
Me lembrei do filme do Batman, onde o coringa cai em solução semelhante. Claro que nosso "amigo" não é nenhum gênio do crime como o personagem interpretado por Jack Nickolson, mas foi um palhaço igual!

Tudo bem! Podem me criticar! Sei que não é certo rir da desgraça alheia, só que tenho visto muitos latrocínios esse ano e quando penso na frieza desses criminosos com suas vítimas, pessoas normais como eu ou vocês, não posso deixar de ouvir aquela vozinha no meu interior dizendo "bem feito!"
Posso estar errado, mas não serei hipócrita de fingir ter ficado com pena do assaltante.
Sou do tipo que acha que direitos humanos devem ser para humanos direitos, e vocês?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Água para o espírito

Sou um homem de fé, mas não de religiões! Fato esse que parece nunca ter sido muito bem aceito por alguns amigos religiosos.
Um deles, certa vez, me perguntou o que era a fé para mim?
Não lhe respondí, não conseguí encontrar as palavras adequadas para descrevê- la.
Mas isso não significa que não tenha pensado no assunto!
Ainda hoje não sei dizer ao certo o que é a fé, creio que ela seja como a água, quanto mais pura, menos se tem o que falar sobre ela: Não tem cor; não tem cheiro; não tem sabor... é praticamente indescritível, como se não existisse!
Mesmo assim, tão "neutra", é a substância mais vital ao nosso corpo, como a fé é para nosso espírito.
Proporciona satisfação, é isso que sinto e que vai além de qualquer definição que possa dar.
Com certeza as religiões são uma fonte abundante dessa "água".
Só não devemos esquecer que, apesar da água ser tão boa e vital à vida, pode nos afogar se consumida em demasia.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Se a vida lhe dá limões...

Há uma fruta que, ao meu ver, é a mais injustiçada entre todas.
Perguntei a dez conhecidos qual era a fruta preferida deles.

Resultado: 3 votaram no morango; 3 na melancia; 2 escolheram a laranja; 1 disse banana e o último (esse foi o mais interessante!) respondeu que era o tomate.

Acho que o tomate nem é realmente uma fruta!
Mas, enfim, o fato é que nenhum deles escolheu o limão, nem sequer passou pelo ranking deles essa fruta, o que acho uma grande injustiça!
Se tomarmos como base que geralmente consumimos mais aquilo que preferimos, com certeza o limão deveria figurar na lista da maioria das pessoas.
Pense bem, ele está presente na limonada, no refrigerante, na caipirinha, e o que seria da tequila sem uma fatia dele?
E não se limita apenas as bebidas, está presente na salada, nas carnes, um peixe grelhado com limão...humm!!!
Fora a culinária não podemos esquecer que foi graças a acidez do limão que foi criada a primeira bateria. Ainda me lembro das aulas de ciências do colégio onde espetávamos pedaços de aluminio no fruto e conseguíamos ligar um radinho. Tem até quem o use como produto de limpeza contra gordura!
Algumas frutas possuem um culto particular em torno delas: É festival do morango pra cá, festa da laranja pra lá, até o tomate (que nem sei se é fruta) tem a tomatina dele.
Existe também certo misticismo em torno de outras, como a uva e, principalmente, a maçã: Fruto proibido, maçã do amor, o pomo dourado da discórdia, o ditado da maçã podre, o apelido da maior cidade do mundo (The Big Apple), teve aquela que caiu na cabeça de Isaac Newton, outra que envenenou a Branca de Neve... Ou seja, mais que uma fruta, tornou- se um símbolo.
Enquanto isso, o limão, nada!
Se eu pudesse escolher uma simbologia para ele o colocaria como símbolo da amizade, do companheirismo, afinal, o limão nunca está sozinho.
Não conheço ninguém que descasque essa fruta e a chupe pura!
Ou seja, o limão é muito importante, mas sozinho não é nada!

As vezes nos sentimos como o limão, com aquela sensação de que não somos devidamente reconhecidos por tudo que fazemos e isso nos deixa azedos, ácidos.
É normal que nos sintamos assim e não devemos nos preocupar com isso, contanto que, como o limão, saibamos que sozinhos não somos ninguém e, mesmo que muitas vezes nosso valor não seja reconhecido, não quer dizer que deixamos de tê- lo.
É bem a cara do limão o ditado: "Se a vida lhe dá limões, faça uma limonada!"

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Tombamento Histórico

A pessoa que me contou sobre esse caso me garantiu ser ele verdadeiro e eu não tenho motivo nenhum para duvidar dela, longe disso. Mas como o tempo ladino já furtou- lhe da memória datas e nomes, optei por não identificar o município até que pudesse fazer as devidas pesquisas sobre o ocorrido!
O tal município, apesar de estar localizado a apenas 50 KM da capital de São Paulo, ainda mantém ares de cidade do interior; Praça com coreto, ruas de paralelepípedo e, é claro, um povo gentil e religioso.
Conscientes da importância da fé e das tradições na vida de um povoado, incomodava aos cidadãos ver a precária condição em que se encontrava sua mais antiga capela, abandonada pela prefeitura após a construção da nova Igreja Matriz da cidade.
As paredes da capela estavam descascadas, suas portas e bancos de madeira, apodrecendo, o interior, depredado... Era horrível de se ver e uma vergonha para o município e seus habitantes que, unidos em uma associação de moradores, circularam pela cidade um abaixo assinado pedindo o tombamento histórico da capela.
Milhares de assinaturas foram recolhidas e um representante foi com a brochura em mãos até o prefeito.

"Exelentíssimo! Nós, seus eleitores, queremos o tombamento da capela velha! Ela é a mais antiga do município, e se encontra em condições deploráveis. Temos que resolver isso!"

O prefeito folheia rapidamente o abaixo assinado pensando em todos aqueles possíveis eleitores e, como bom populista, concorda.

"Sim! Sim! A capela é muito antiga mesmo!"

Mexe na agenda e marca o dia para a cerimônia, encerrando aquela reunião com seu famoso...

"A vontade do povo é minha vontade!"

Enfim, chega o dia! Muita gente vai logo cedinho até a frente da capela para assistir o evento oficial de tombamento, vários comentam se não seria melhor realizar a cerimônia após as devidas reformas, outros respondem que para haver reforma é necessário que a capela seja primeiro considerada um patrimônio histórico!
Nem uma coisa!
Nem outra!
Todos se calam com a entrada dramática do prefeito que vem em pose grega "montado" num trator e, depois de desfilar frente ao seu boquiaberto e confuso eleitorado, começa a derrubar as paredes da capela.

O fato é que o prefeito não havia lido o documento que lhe fora entregue, também não sabia o que era um tombamento histórico, para ele tombar era derrubar! Se o povo queria isso, ele faria! "Aquela capela velha estava caindo aos pedaços mesmo!"

O prefeito foi impedido antes de por abaixo toda a estrutura.
Nunca mais ele foi eleito e nem a capela elegida a marco histórico, mas com certeza se tornou um!
Me foi dito que ainda hoje ela está lá, metade em pé, metade ao chão. Preciso conferir!

As Imperfeições do Diamante

Amor, sempre ele!
Conversando com uma amiga acabamos entrando nesse tema.
Essa amiga é uma mulher linda, não apenas por fora (em seus cabelos loiros, olhos azuis e pele rosada num corpo pequeno, porém, extremamente proporcional e sensual) mas também por dentro. Talvez ela seja a pessoa mais meiga que eu conheça, daquele tipo que a companhia faz bem. Que tem boas vibrações!
Pode parecer, num primeiro momento, se tratar de mais uma dessas "loirinhas aguadas", mas o signo de escorpião fez o favor de temperar- lhe a personalidade com leve toque de mistério e melancolia, que é possível perceber no canto de sua boca, escapando ao fim de certos sorrisos.
Sim! Estou falando demais dela!
Isso porque é uma mulher por quem é muito fácil de se apaixonar.
Apesar disso ela não é casada nem está namorando.
Considera- se solitária e tem medo de terminar assim, o que faz com que mantenha vivo um vínculo com um ex- namorado, que ainda é apaixonado por ela, mesmo não sentindo o mesmo por ele.

"Pelo menos sei que, aconteça o que acontecer, tem alguém que gosta de mim!"

Foi o que ela me respondeu quando eu disse que considerava errado fazer isso com ele, alimentar uma esperança não permitindo que o outro siga em frente.
Concordo com ela que é muito difícil encontrar alguém que realmente goste de nós, mas, mesmo quando encontramos, isso não é necessariamente amor.
Amor é mais dar do que receber, querer apenas receber é só egoísmo.
Não que eu a considere egoísta, acho apenas que quando estamos a "procura" de alguém para passarmos o resto de nossas vidas, analisemos as coisas pelo ângulo errado.
Buscamos alguém que seja o mais perfeito possível e tentamos ser perfeito para essa pessoa também, acabamos não sendo nós mesmos, sendo artificiais.
Na verdade devíamos buscar alguém que nos fizesse sentir à vontade, onde as coisas mais desagradáveis de nosso dia a dia fossem naturais, afinal, nem tudo cheira a rosas!
Ao invés de se perguntar coisas como:

"Eu passaria o fim de ano na praia com ele?"

Ou:

"Será que ela gosta do mesmo estilo musical que eu?"

Devíamos nos perguntar coisas do tipo:

"Se ela ficasse doente eu me incomodaria de limpar suas fezes e dar- lhe banho?"

"Ele me julgaria mal se me visse com meias furadas e dascabelada, ou talvez bêbada e vomitando?"

Não somos perfeitos, nem nunca seremos.
Achar quem goste do que temos de melhor e gostar do melhor das pessoas é fácil, já o que temos de pior....

Mas talvez aí resida o amor, assim como um diamante natural se diferencia de um artificial por suas imperfeições, tornando- se muito mais valioso!

Água para o espírito

Sou um homem de fé, mas não de religiões! Fato esse que parece nunca ter sido muito bem aceito por alguns amigos religiosos.
Um deles, certa vez, me perguntou o que era a fé para mim?
Não lhe respondí, não conseguí encontrar as palavras adequadas para descrevê- la.
Mas isso não significa que não tenha pensado no assunto!
Ainda hoje não sei dizer ao certo o que é a fé, creio que ela seja como a água, quanto mais pura, menos se tem o que falar sobre ela: Não tem cor; não tem cheiro; não tem sabor... é praticamente indescritível, como se não existisse!
Mesmo assim, tão "neutra", é a substância mais vital ao nosso corpo, como a fé é para nosso espírito.
Proporciona satisfação, é isso que sinto e que vai além de qualquer definição que possa dar.
Com certeza as religiões são uma fonte abundante dessa "água".
Só não devemos esquecer que, apesar da água ser tão boa e vital à vida, pode nos afogar se consumida em demasia.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SOTURNO

Soturno; adj. Sombrio; Turvo de aspecto; tristonho; pavoroso.

Como malditos vampiros vivemos nessa cidade. Dormindo durante todo o dia em quartos lacrados por pesadas cortinas blackout e saindo ao escurecer, por ruas avermelhadas pelas luzes de mercúrio dos postes, em busca de sangue!
Somos jornalistas da madrugada e essa é nossa rotina! Ao todo, somos em treze, mas cada dois ou três de um veículo diferente. Jornais impressos, rádio, TV... Já eu, sou um videorrepórter solitário de uma emissora aberta. Trabalho sozinho. Prefiro assim!
Trabalhando no turno da madrugada da capital paulista cubro matérias factuais e só o que acontece nesse horário são assassinatos, chacinas, latrocínios, acidentes, incêndios, sequestros, tiroteios... Sou bombardeado constantemente por doses brutais de sofrimento, dor, miséria, ódio, falsidade e maldade em suas infinitas formas.
Nunca pense que já viu de tudo, há sempre mais para nos surpreender!
São Paulo, Metrópole do Caos!
Dividida em cinco regiões: Zona norte; Zona sul; Zona oeste; Zona leste e Centro. É nesta última que mantenho base por motivos logísticos, mais especificamante no bar Estadão, um 24hs que funciona como uma espécie de farol na madrugada de trevas, mas que, como qualquer luz solitária na escuridão, atrai todo tipo de insetos ao seu redor.
Viciados mentirosos com suas histórias manjadas: "Completar o dinheiro da passagem!" ou "Comprar remédios para a mãe doente!"
Prostitutas e travestis em busca de clientela para seus corpos!
Moleques de rua pedindo trocados!
Com o tempo é impossível não endurecer, é como se aos poucos sua alma fosse secando e você se tornasse imune a toda aquela miséria, apenas sobrevivesse dela sugando- a com a câmera de vídeo, tirando o máximo de sofrimento possível, como vampiro!
Foi esta frieza de espírito que me impediu de reconhecer aquele morador de rua que agarrou- se em meu braço enquanto eu comia um lanche sentado ao balcão do bar, em desespero ele dizia:

__ Você tem que ajudar! Tá todo mundo morrendo! Estamos sendo caçados! Ninguém se importa! Uma vez você quis ajudar! Vem comigo!

E tentou me puxar do balcão.
Para mim era mais um lunático típico da cidade e, pelo cheiro de bebida, bêbado ainda por cima!
Eu o empurrei e o segurança do estabelecimento tratou de arrastá- lo a força para fora. Mesmo assim ele continuava gritando:

__ Você tem que vir! Ver você mesmo! Vem! Vem Comigo!

Dando- lhe as costas continuei meu lanche. O segurança acertou nele alguns belos tapas, fazendo com que desistisse de tentar falar comigo e fosse embora.
Perito em ignorar esses infelizes, continuei lá por cerca de meia hora sem dar maior atenção ao fato.
Ao meu lado, dois agentes de trânsito discutiam sobre possíveis soluções para o congestionamento em horários de pico na radial leste. Quanto utilizaram o termo 'interligação Leste/Oeste', o rosto do morador de rua emergiu em minha memória e lembrei- me dele.
A grande cruz formada pela junção das interligações Norte/Sul e Leste/Oeste marca o coração da cidade, o ponto de acesso a todas as suas principais artérias em qualquer das regiões. Essa imensa cruz esconde também um segredo sob sí, em suas galerias subterrâneas! Uma verdadeira cidadela dos excluídos povoada por mendigos, um mundo escondido nos esgotos, tão organizado, que chegava a ter lideranças.
Era daí que conhecia aquele morador de rua, seu nome era Polaco e ele era uma dessas lideranças! Fora ele que impedira minha entrada nas galerias quando tentei cobrir uma matéria sobre a tal cidadela.
Mas algo estava errado! A lembrança que eu tinha daquele homem não era a desse patético e amedrontado infeliz que me abordara no Estadão, mas sim a de um frio e perigoso líder de um bando raivoso.
Fiquei imaginando o que poderia ter causado tanto medo em alguém que não tinha nada a perder e que já havia visto e vivido de tudo pelas ruas da capital.
Instigado por minha curiosidade decidí dar uma volta de carro sob os viadutos das interligações, por desencargo de consciência.
Anhangabaú... Baixada do Glicério... Avenida do Estado... Nada!
Estava dando a volta pelo Parque Dom Pedro para retornar ao Estadão quando ví de cima do viaduto diversos sedans pretos, todos importados, estacionados no pátio do Palácio das Indústrias, antiga sede da prefeitura de São Paulo.
Por sí só isso já era estranho. Mais ainda foi notar que o ocupante de um dos veículos se dirigia a pé para baixo do viaduto que eu transpunha.
Amaldiçoei minha sorte pelo retorno até aquele local ser tão distante, então parei nos arredores do mercado municipal e, com minha câmera de vídeo em punho, atravessei a avenida do Estado e me embrenhei na escuridão sob o pontilhão.
Na cavidade mais profunda daquelas trevas fui atraído por uma débil claridade oscilante que acabou me entregando uma passagem apertada até níveis inferiores.
O túnel começava em terra e transformava- se em úmidos tubos de concreto. Eram os esgotos!
Ia gravando todo o percurso com o coração disparado pela adrenalina, era isso que me impulsionava cada vez mais longe.
Comecei a sentir um forte cheiro de gasolina naquele ar rarefeito que, misturado ao vulto que ví descer do sedan importado e entrar naqueles túneis, deu- me idéias.

"Talvez seja algo ligado a Skinheads, crimes de racismo e coisas do gênero!"

Meus pensanentos foram interrompidos quando sentí alguém passando à minhas costas. Virei- me rápidamente, mas não havia ninguém.
Continuei em frente com a incômoda sensação de estar sendo seguido e descobrí a fonte da claridade que me guiara até alí.
Era impressionante! Já sabia de sua existêncio, mas nunca imaginara aquelas proporções!
Em uma imensa galeria (cerca de quinhentos metros quadrados) dezenas, talvez centenas, de barracos de palafita haviam sido construídos sobre as águas turvas daquele piscinão subterrâneo. Essa era a cidadela dos excluídos, iluminada por luzes puxadas clandestinamente das fações que por alí passavam, ligações tão precárias, que faziam as lâmpadas oscilarem como velas.
Novamente ouví ruídos no túnel atrás de mim e me virei, desta vez permanecí encarando a escuridão.
Concentrado, pude distinguir alguns sussurros.

__ Não! Lembre- se da trégua!

__ Mas e ele, por quê está aqui?

__ A maioria deles não sabe!

Com a certeza de que haviam pessoas me observando, escondidas pelo breu por onde eu havia entrado, perguntei:

__ Quem está aí?

Não tive tempo de obter nenhuma resposta pois fui atingido pelas costas na cabeça e desmaiei.

* * *

Minha cabeça latejando foi a primeira coisa que sentí. A segunda foram minhas mãos amarradas quando tentei colocar uma delas no epicentro da dor.

__ Está acordando!

Ouví alguém dizer.
Então abrí os olhos para deparar- me com uma multidão cheia de medo e raiva à minha frente, só faltavam foices e forcados.

__ Se tentar alguma coisa eu parto sua cabeça!

E um pedaço de pau foi atiçado na minha frente por um mulato forte.
Eu estava amarrado numa cadeira, não tinha muito o que tentar. Mesmo assim ví todas aquelas pessoas darem um passo para trás quando olhei ao redor procurando minha câmera.

__ Vamos acabar logo com ele!

Veio a voz do meio da turba.
Minhas tentativas de diálogo acabaram perdidas em meio ao burburinho que havia se iniciado e a massa começou a se fechar ao meu redor.

"É meu fim!"

Pensei.
Mas então veio um grito enérgico que paralisou o bando.

__ PAREM! Eu conheço esse homem, ele não é um deles!

Era o Polaco!
Me desamarraram e enquanto um curativo era feito em minha cabeça eu tentava obter algumas informações:

__ Mas que diabos está acontecendo aquí, Polaco?

__ É exatamente isso que está acontecendo aquí, diabos!

__ Como!?

O lider daqueles moradores de rua sentou- se num caixote ao meu lado e continuou:

__ Começou a acontecer há uns cinco meses, no inicio não nos demos conta, mas então foi aumentando.
"Muitos de nós começaram a desaparecer, sempre durante a noite.
Gritos terríveis eram ouvidos ecoando pelos túneis, quem entrava não saia mais.
Pensamos se tratar de algum animal, já tivemos problemas com jacarés por aqui! Organizei então uma caçada pelos túneis, mas aconteceu o contrário, nós é que fomos caçados por... por... por eles!"

__ E quem são "eles"?

Perguntei, cético quanto aquela história.

__ Quem, não! Oque? São vultos! Fantasmas famintos que é impossivel ver nitidamente! São o mau! São...

__ Já chega, eu entendí! E o que você quer de mim é uma matéria sobre isso, não é?

Polaco assentiu com a cabeça.

__ Tentamos procurar as autoridades, mas eles não se importam conosco.

__ Tudo bem! É só trazerem minha câmera que eu faço!

Aquelas pessoas haviam enlouquecido, só o que eu queria era ir embora dalí, mas de preferência com as imagens daquela cidadela singular! E para isso precisava da minha câmera de volta.
Polaco pediu para o que o mesmo mulato que havia me ameaçado com o porrete trouxesse meu equipamento e, enquanto esperava, perguntei por que o cheiro de gasolina naquele lugar era tão forte.

__ É a nossa armadilha! Espalhamos gasolina sobre a água, se eles tentarem entrar na cidadela nós os pegamos!

Só então percebí a que ponto havia chegado o desespero daquelas pessoas. Eram, literalmente, um barril de pólvora prestes a explodir!
Recebí a câmera e comecei a gravar. Com dois minutos de imagens dos barracos de palafita as inconstantes luzes da galeria se apagaram por completo!
Ao contrário do que seria de se esperar (um tumulto generalizado!) não houve um ruído seguer! Creio que a escuridão que se abateu sobre todos nós congelou nossas almas e nos deixou prostados como estátuas naquela ratoeira.
Não sei bem quanto tempo durou o silêncio, pareceu- me uma eternidade, até que foi quebrado por uma seqüência interminável de gritos. Gritos de dor! Agonia! Desespero!
Pessoas correndo as cegas esbarravam em mim, pelo som podia perceber que algumas caiam dos caminhos de madeira improvisados para dentro da água.

__ São eles! São eles!

Ouví gritar a voz do mulato! Em seguida uma tocha foi jogada na água e a gasolina sobre ela se incandesceu.
As chamas surgiram com tanta rapidez que, com o clarão formado, acabei deixando cair meu equipamento.
Tentei apanha- lo, mas não tive tempo. Toda a estrutura de palafita começou a ceder e o ar tornar- se carregado de fumaça.
Alguém guiou- me pelo braço até um túnel próximo, era o Polaco que estava acompanhado do mulato.
Não dissemos nada, apenas tossiamos e andavamos em direção a superfície.
Polaco ia na frente, eu atrás e por último o mulato que gritou repentinamente.
Ao me virar ví o corpo robusto daquele homem ser arrastado para a escuridão e calar- se ao som de ossos se quebrando.
Outro grito e Polaco também desapareceu.
Em pânico, comecei a correr!
Não fui longe, alguns passos somente até ser apanhado.
Sentí uma mão fria como gelo e de força descomunal agarrar meu pescoço pela nuca e empurrar- me violentamente de rosto contra a parede lodosa daquele túnel, não conseguia solta- la de seu abraço apertado mesmo utilizando meus dois braços. Era inútil! Não podia nem mesmo virar- me para encarar face a face meu atacante que com uma única mão me mantinha cativo.
Sentindo os nojentos insetos que habitavam o lodo daquelas paredes deleitarem- se com a pele de meu rosto, parei de debater- me e esperei pelo pior.

__ Voce não é como os daquí de baixo! Não pulsa como os daquí. Por isso ainda está vivo!

Disse uma voz sussurrante ao meu ouvido. E continuou!

__ Existe uma trégua! Nós não caçamos os seus! E vocês não caçam os nossos! Mantivemos a palavra saciando nossa fome aquí, longe de sua sociedade "democrática" e "livre"! Porque, então, corrompe a memória e a sabedoria dos que trataram acordos antes de você, vindo nos caçar aqui embaixo.

Sentí meu sangue gelar, não tanto pelas palavras que ele dizia, mas por perceber que, mesmo com sua boca tão próxima ao meu ouvido, era impossível ouvir qualquer respiração!
Eu não era assim, não era um covarde! Precisava reassumir meu autocontrole, precisava dizer algo!

__ Não vim caçar ninguém! Vim saber sobre pessoas que andavam desaparecendo, pois isso precisa acabar!

__ Pessoas sim! Mas não os seus! Vocês os excluíram de sua sociedade há muito tempo, os abandonaram aquí, ao próprio azar. Fazem parte dos dejetos de seu sistema "politico- econômico"! Aliás, devo parabenizar sua raça, ela está evoluíndo e se tornando cada dia mais parecida com a nossa! Fria e objetiva!

Uma risada aguda e sinistra partiu de sua boca e foi seguida por outra mais atrás, e outra mais adiante, e outra... e outra... e outra... Meu Deus! Quantos deles haviam alí? Não podia ver nada, apenas sentir o ardume do shorume daquele lodo que meu rosto comprimia invadindo meus olhos!
Deus! Sim, só restava ele!
Comecei a rezar baixo, mas fui calado pelo aperto intensificado daquela garra que agora me sufocava. Meu captor começou então a gritar, irado!

__ Não seja hipócrita! Suas orações são vazias, não passam por seu coração! Eu posso ver sua alma. Posso até sentir o cheiro dela! Você é tão maldito quanto nós, não se importa com nenhum dos infelizes desta catacumba gigante, veio apenas para se alimentar dessas vidas...

Ao dizer isso sentí algo ser colocado em minhas mãos.
Era minha câmera!

__ Você quer uma matéria, e não ajudar ninguém!

Queria negar.
Mas não podia.
Era verdade!

__ Em seu equipamento está gravado o incêndio no túnel principal, "um triste acidente cheio de vitímas, ocorrido enquanto você gravava na Cidadela dos Excluídos!" É isso que você dirá! É toda matéria que precisa, esqueça que um dia você soube a nosso respeito, do contrário, além de ver e sentir o cheiro de sua alma, sentirei também o gosto dela e, rezando você ou não para todos os seus santos de barro ou seu Deus mudo e invisível, descobrirá todo o frio de meu veneno!

A mão soltou- me e eu caí de joelhos buscando frenéticamente recuperar todo ar que me faltava.
Ainda arfando olhei em volta, não havia nenhum sinal de quem ou do que quer que fosse que tivesse estado alí.
Criaturas cujo rosto nem mesmo ví, talvez fosse melhor assim!
Ouví vozes e feixes de luz indistintos se aproximarem e em pouco tempo estava sendo socorrido pelos homens do corpo de bombeiros e encaminhado para o hospital.
Gostaria de poder dizer que fui um heroi e que, mesmo sob ameaças, seguí em cruzada pelos excluídos da cidade.
Mas não seria verdade!
Fiz exatamente o que me fora dito; "Um acidente terrível!" porém; "Um flagrante fantástico!"
Roubei suas almas com minha câmera, me alimentei de todas aquelas vidas, não apenas eu, mas também cada um dos milhares de cidadãos que contribuíram para os incríveis índices de audiência daquela tragédia!

Como malditos vampiros vivemos nessa cidade...

Dor Fantasma

Fábio olhava incomodado para a cadeira vazia a sua frente sem saber direito o porquê.
Durante anos após o trabalho parou naquela cafeteria, sentou- se na mesma mesa e tomou seu capuccino solitário, mas hoje aquela cadeira vazia o incomodava!

"Melhor eu me sentar no balcão, é estranho sentar sozinho numa mesa para dois!"

E foi para o balcão levando sua caneca.
Antes de terminar a bebida olhou novamente para a cadeira.

__ Tudo bem, colega?

A pergunta veio em sua direção, mas o homem a duas banquetas de distância não olhava para ele e sim para a chícara de chá, onde mergulhava e emergia na água quente o sachê com o mate.
Fábio virou o corpo na direção do vizinho e perguntou:

__ Perdão! O senhor disse alguma coisa?

Era um sujeito estranho, de nariz protuberante e avermelhado, sombrancelhas pontiagudas e volumosas e que não olhava para as pessoas quando falava com elas.

__ Perguntei se está tudo bem com você?

Repetiu para a chícara!
Fábio respondeu que sim, jogou uns trocados sobre o balcão, pediu licença ao desconhecido e continuou seu caminho para casa.

"Tipo esquisito!" Pensou.

Na cafeteria o homem depositou o sachê no pires, sorveu um gole do chá e disse olhando para o líquido ambar:

__ Interessante!

Fábio foi perseguido nos dias seguintes por uma estranha sensação, a mesma do olhar na cafeteria que tentava ver algo mais na cadeira vazia do que estava presente.
Em sua casa se pegava pensando em porque dormia num dos cantos e não no meio de sua cama de casal, ou então, olhando para algum prego solitário na parede, tentava se lembrar o que havia pendurado alí.
Aquela sensação que temos quando vamos viajar de que estamos esquecendo algo! Era assim que Fábio se sentia o tempo todo. Como se estivesse prestes a espirrar, mas o espirro não saisse.
No início não deu atenção àquilo, depois começou a achar que tinha enlouquecido, pois saía pela cidade tentando preencher lacunas, procurando algo, sem ter idéia do que era.
Onibus, metrô, carro, a pé, de uma ponta a outra da cidade ele ia com o peito angustiado, com um nó em sua garganta que teimava em não desatar.
Vagava por hospitais, albergues, praças, shoppings e qualquer lugar público por onde passasse olhando, não os lugares, mas as pessoas. Tinha necessidade de ver gente nova.
Apenas em um lugar não conseguia entrar, no parque do Ibirapuera que, ironicamente, era a apenas duas quadras de sua casa.
Em frente o portão principal olhava para as mulheres que passavam por ele praticando cooper, lembrava as vezes que já havia caminhado por aquele parque normalmente. Inúmeras vezes, mas não conseguia se lembrar de quando ou porque havia parado de frequenta- lo. Como lhe surgira aquela aversão?
Não fazia idéia e isso dava medo!
Além de tudo se sentia paranóico, como se estivesse sendo vigiado, seguido.
O dia dez de Dezembro foi o pior dos dias, tamanha era sua tristeza que já no momento em que acordou sentiu- se sem ar dentro de sua casa.
Cuspido pra rua, andou entre decorações de natal que em nada combinavam com o calor do verão. Suas pernas o levaram até a biblioteca municipal, ele entrou e começou a percorrer os corredores apinhados de livros, procurando nas lombadas algum título que o atraísse.

"É disso que preciso." Pensou. "Distração!"

Sua atenção acabou sendo atraída por um grupo de adolecentes que discutia ao redor de um volume de enciclopédia. Um dos jovens argumentava:

__ Como assim: "Hoje não é dia de nada!" Todo dia é dia de alguma coisa. Se até a secretária tem um dia dela!

__ Mas aqui não fala nada!

Dizia um outro, virando irritado o livro na direção do colega.

__ Só porque aí não diz não quer dizer que não seja dia de nada!

Enquanto puxava um livro da estante Fábio disse em direção aos garotos:

__ Palhaços!

O grupo de amigos olhou assustado para o homem, pensando que ele os estava ofendendo.
Vendo a expressão dos jovens Fábio explicou melhor:

__ Dez de Dezembro. Hoje é dia do Palhaço!

Exclamações de entendimento ecoaram da roda que, agradecendo, partiu em busca do volume "P" da ensiclopédia.

__ Você deve gostar muito de palhaços?!

A pergunta veio de alguém do outro lado da estante, Fábio só conseguia ver partes do rosto por entre a cortina de livros.

__ É estranho, mas na verdade eu detesto palhaços!

Respondeu esforçando- se para tentar ver melhor o rosto do homem que, do outro corredor, continuava suas perguntas:

__ Então você deve ter lido em algum lugar sobre a data?

__ É possível. Não me lembro!

Viu então as sombrancelhas pontiagudas pelas frestas e lembrou- se:

"O estranho na cafeteria!"

Correu para dar a volta na extensa estante, se era aquele lunático que o estava perseguindo, ele descobriria por que?
Mas o estranho havia sumido, olhou entre outros corredores, mas nada!
Jogou o livro que tinha nas mãos sobre uma das mesas do salão de leitura da biblioteca, havia desistido da idéia de ler qualquer coisa, estava intrigado!
Quando Fábio foi embora, o homem de estranhas sombrancelhas emergiu das sombras entre as estantes no mesanino.
Ele desceu calmamente as escadas, e foi até o exemplar abandonado sobre a mesa por Fábio.
Leu o título.

"ALICE ATRAVÉS DO ESPELHO"

Com um semblante preocupado disse para sí mesmo:

__ Interessante! Muito interessante mesmo!

Os dias seguintes foram terríveis para Fábio, a angústia... a paranóia... E um advento, pesadelos! Sempre o mesmo passou a vir visita- lo todas as noites: Ele correndo no Ibirapuera, ao lado do lago, desesperado e fatigado, tentando alcançar uma mulher que só podia ver a silhueta no contraluz, ela mantinha o rítmo, impassível, e ele, apesar dos esforços para alcança- la, ia ficando cada vez mais distante dela, que acabava sumindo na claridade do horizonte.
Era nesse momento que ele acordava num susto, encharcado de suor e com o nó na garganta tentando sufocá- lo.
Imagine uma goteira, pingando em sua cabeça por dias, para Fábio era uma cachoeira inteira tudo aquilo.
Já não estava apenas enlouquecendo, estava se afogando!
Numa manhã de domingo, após seu pesadelo diário, decidiu enfrentar seus medos.
Entrou no Parque do Ibirapuera, foi até o local de seu pesadelo, sentou- se em um banco de pedra entre eucalíptos e esperou.
Uma mulher vestida com roupas de ginástica passou por ele e lhe deu bom dia. Ele retribuiu o cumprimento e acompanhou com o olhar a mulher se dirigir até os rústicos aparelhos de ginástica instalados a poucos metros dali.
Sua respiração se tornou ofegante, o nó em sua garganta e em seu peito foi se apertando, apertando, até que explodiu!
Toda aquela angústia enfim se rompeu nele e deu vazão ao choro desesperado.
Não conseguia tirar os olhos da mulher que se alongava nos rústicos aparelhos do parque, mas o rosto não era mais dela, era de outra pessoa que Fábio não conhecia. Não conhecia? Então por que lhe era tão familiar? Por que continuava lá mesmo quando fechava os olhos com toda força?
Um balbucio foi tomando forma na boca de Fábio:

__ A...

Mas parecia não querer sair, como se o restante das letras ficassem presas na garganta.

__ A... A... Ali...

Via a cadeira vazia na cafeteria... E lá estava ela sentada!

__ Ali...

O prego solitário na parede de sua casa... E um retrato com ela pendurado nele!

__ Ali... Ali...

Sua cama de casal... E aquela mulher ao seu lado. O sorriso mais lindo que já vira!

__ ALICE!!!

Sim, seu nome era Alice!

__ Muito bem, chega!

A voz veio acompanhada de um homem saindo detrás dos arbustos e continuou:

__ Eu já devia ter acabado com isso na biblioteca!

Era o estranho de sombrancelhas pontiagudas.

__ Por que? Por que está me seguindo?

Fábio estava confuso, precisava de respostas e sabia que aquele homem as tinha.

__ Quem é você? O que está acontecendo comigo?

O desconhecido sentou- se no banco de frente a Fábio e, finalmente, olhou nos olhos dele enquanto falava.

__ Sei que tem muitas perguntas, vou tentar responde- las da melhor forma possível. Mas não se preocupe, em breve não precisará de nenhuma resposta é só continuar olhando para mim!

Os olhos azuis, quase brancos, emoldurados naquelas estranhas e escuras sombrancelhas, davam calafrios em Fábio, mas era impossível desviar o olhar. Estava preso nele.

__ Apesar de parecer que eu estou te seguindo, foi você que me procurou na verdade.
"Meu nome é Zofael, doutor Guilhermo Zofael. Sou hipnólogo, um dos maiores do país!
Há dois meses você veio até meu instituto com um pedido muito estranho! Dizia ter tido contato comigo anos antes, em épocas mais 'comerciais' de minha carreira. Durante uma apresentação de minhas técnicas eu havia feito você esquecer da existência do número quatro. Ficava contando de um a dez, sempre pulando o quatro, sem perceber nada até eu libertá- lo do transe.
'Quero esquecer uma pessoa!' Você me disse. 'Seu nome é Alìce!'
Me contou, então, que essa mulher, Alice, com quem havia vivido por cinco anos, tinha desaparecido sem deixar vestígios há dois e que, durante todo esse tempo, estava a procura dela.
Você dizia não suportar mais a dor, o sofrimento em que vivia, começou a pensar que talvez fosse melhor nunca tê- la conhecido do que viver aquela perda.
Foi então que lembrou- se de mim!
No início eu me recusei, disse que não era assim que as coisas funcionavam, uma pessoa e um número são coisas bem diferentes!
Mas você continuou insistindo e, devo confessar, ao pensar melhor no assunto me sentí tentado com a proposta. Não é sempre que se tem a possibilidade de testar os limites da hipóse terapeutica como num caso desses.
Fiz uma das sessões mais complexas de minha carreira e, no final, o sucesso.
Amputei de sua vida a mulher com quem você viveu por cinco anos como quem amputa um membro condenado do corpo.
Para que funcionasse tive que me excluir de suas lembranças também, mas, dada as proporções de uma intervenção hipnótica como a sua, achei melhor ficar de olho em você por algum tempo, ver se não haveria nenhum efeito colateral.
Achei incrível quando, assim como pacientes que tem braços ou pernas amputados e continuam sentindo dores e sensações em seus membros fantasmas, você continuou sentindo a ausência de algo em sua vida, sentindo sua dor fantasma.
A mulher não estava mais lá, mas a dor, a busca, o sentimento continuou.
É impossível apagar o amor!"

Fábio conseguiu desviar seus olhos dos olhos albinos e sinistros do Dr. Zofael.

__ Sim! Eu me lembro de tudo! A cafeteria onde eu e Alice nos encontravamos todos os dias após o trabalho para irmos juntos para casa!

E as cenas de toda uma vida esquecida iam passando pelos olhos lacrimejantes de Fábio.

__ Nosso quadro na parede, assim como todas as fotos e lembranças dela, que me desfiz para me preparar para a sessão com você! Os palhaços! Ela adorava palhaços e sempre que eu perguntava porque, ela dizia que era por ter nascido no dia deles. É claro! Dez de Dezembro foi o aniversário dela! No dia do Palhaço!

Olhou então para o parque ao redor.

__ E foi aquí que ela desapareceu! Por minha culpa!

O hipnólogo não disse nada, aquele homem não precisava de consolo, mas sim botar para fora todos os seus demônios.

__ Ela acordou cedo naquele domingo, me chamou para vir correr com ela, mas eu estava cansado, andava trabalhando demais, fiquei dormindo e ela se foi, enquanto eu dormia! Dormia!

A angústia o fez calar, desta vez não pela perda da companheira amada, mas pelas decisões tomadas.
Olhou para Zofael e com voz engasgada perguntou:

__ Será essa minha sina? Continuar nesta angústia? Continuar a procurá- la?

O doutor Guilhermo sorriu. Olhava para os raios de sol batendo no lago do Ibirapuera quando respondeu:

__ E não é a sina de nós todos? Procurar nosso grande amor! Você ao menos já sabe quem é o seu. E, se conseguiu encontra- la em meio ao esquecimento, tenho certeza que vai vê- la novamente, mesmo que seja em outros planos!

Ficaram lá parados muito tempo ainda, foi Zofael que quebrou o silêncio dizendo que precisava ir embora.

__ Você vai ficar bem, Fábio?

__ Não sei doutor, não sei mesmo!

__ Se precisar de minha ajuda, sabe onde me encontrar.

__ Obrigado doutor, mas não creio que esquecer seja a solução!

Doutor Guilhermo Zofael assentiu com a cabeça e, já caminhando, se despediu:

__ Sucesso em sua busca, meu amigo! Adeus!

Fábio ficou sozinho no banco do parque, ele não sabia se encontraria ou não Alice, mas de uma coisa tinha certeza, que jamais a esqueceria.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Uma Flecha ao Léu II

Em seu leito de morte, Robin Hood, pediu para que atirassem uma flecha em direção a floresta de Sherwood e que, onde essa seta caisse, ele fosse enterrado!
Assim é nossa vida!
Uma flecha ao léu que não sabemos onde cairá nem por quanto tempo permanecerá em seu vôo ascendente antes da inevitável e vertiginonosa queda!

domingo, 27 de setembro de 2009

Uma História pelo Caminho

Geralmente escrevo sobre as histórias que vivo, sendo cinegrafista de jornalismo na madrugada isso não é difícil! Mas a história que conto agora foi ouvida por mim da boca do repórter com quem trabalho, um jornalista diferente de todos com quem já trabalhei, talvez por que venha da periferia e não de classe média como a maioria.
Viveu na pele injustiças e indiferenças e hoje orgulha- se de denuncia- las com seu trabalho. Doa a quem doer!

__Não sou assessor de imprensa de ninguém!

É seu lema!
E pelas histórias de sua vida é fácil entender como seu caráter foi formado.
Essa é apenas uma delas!


Era madrugada, já não me lembro exatamente o horário, saimos da base em direção a cidade de Francisco Morato nos arredores da capital paulista, contra minha vontade pois a matéria era sobre uma denúncia de omissão de atendimento por parte de alguns orgãos públicos. Para isso não precisavamos ir tão longe, qualquer serviço público alí no centro mesmo renderia a mesma matéria.
O melhor caminho para essa cidade é via Bandeirantes, mas como trabalhamos numa equipe reduzida (somos apenas eu, que sou cinegrafista e motorista, e o repórter, que acaba tendo que acumular a função de produtor) nossas verbas também são!
Cansados de pagar pedágio e não recebermos o reembolso, optamos por um caminho mais longo, porém sem tarifas, pela estrada Presidente Tancredo de Almeida Neves, ao fim da Raimundo Pereira de Magalhães em Perus.
Como toda estrada antiga, essa também era cheia de curvas sinuosas, buracos e escuridão, transformando uma viagem de vinte minutos numa de cento e vinte!
Mantivemos silêncio no carro por toda RPM e na Tancredo Neves de Perus até Caieiras. Eu estava de mau-humor e meu parceiro sabia respeitar isso. Mas ao chegar no entroncamento de Franco da Rocha o repórter viu aquelas bem conhecidas letras brancas de concreto com o nome da cidade e deu um pulo.

__Putz! Conheço esse caminho!

Eu não disse nada, apenas olhei para ele, que continuou.

__Quando era criança meus pais me trouxeram aqui!

Notando que viria uma de suas histórias de infância e tendo ainda um longo percurso pela frente, ajeitei- me no banco e continuei ouvindo.

__Eu tinha um tio, irmão de meu Pai, que teve de ser internado num manicômio aqui em Franco da Rocha.
"Não sei bem o que houve com ele, se foi bebida, drogas ou se simplesmente surtou, sabe como é, pra crianças os pais nunca contam muita coisa! O fato é que naquela época estresse, bipolaridade, depressão... Não existiam! Pelo menos não para nós que eramos muito pobres! Tudo tinha o mesmo nome: Loucura!
Tudo era mais difícil naquele tempo, por isso meus pais ficaram muito felizes quando conseguiram uma vaga para meu tio no hospital mental daqui, que era considerado o melhor do país, pelo menos ele teria o tratamento necessário!
Em um sábado ensolarado, uma ou duas semanas depois de seu irmão ter sido internado, meu pai resolveu trazer toda a família para visita- lo. Minha mãe, como boa dona de casa, preparou vários potes com guloseimas para nossa família e para meu tio. Eu via aquela 'viagem' como um verdadeiro pic-nic no campo, sensação que me era aumentada exatamente por esse caminho que fazemos agora, todo arborizado em seu redor!
Chegamos ao hospital de mala e cuia e fomos levados até o leito de meu tio.
Alí acabou nosso pic- nic!
Mal nos reconhecendo (e nós a ele que parecia um animal selvagem!) pulou sobre meu meu pai, que tentava conte- lo, rasgando sua camisa. Minha mãe se aproximou para ajudar seu marido e no meio da confusão os potes com comida acabaram indo ao chão, espalhando seu conteúdo por todo o quarto!
Meu tio desvencilhou- se de meu pai e acoado num canto do dormitório começou a enfiar toda aquela comida caída na boca: __ Está completamente louco! __ Disse meu pai saindo conosco daquele quarto dos horrores.
Na volta para casa nós três estavamos chocados, pude ouvir meu pai sussurrando com minha mãe: __ Está pior do que nunca! Não dá para vir aqui desse jeito!
E realmente não voltamos mais."

O repórter ficou em silêncio, mas eu sabia que sua história não havia terminado, então esperei, já estavamos na entrada da cidade e, vendo que precisava concluir logo sua história, ele continuou. Agora mais suscinto!

__Três meses depois meu tio faleceu! O laudo médico constatou que ele morreu de... FOME!
"Isso ficou na minha cabeça por anos! Será que ele estava tão louco quanto pensamos? Ou estava apenas faminto?
O fato é que o melhor hospital psiquiátrico do país deixou um de seus pacientes morrer de fome!"

Estacionei em frente ao posto médico de Francisco Morato, tinhamos chegado ao nosso destino, à nossa matéria. Não descí do carro, não antes de saber o fim da história.

__E o que aconteceu com o hospital?

Perguntei!

__Nada! Continuou sendo o melhor do país! Como disse, naquele tempo tudo era mais difícil e nós, muito pobres!
"Por isso tinhamos que vir aqui hoje, porque essas pessoas..."

E apontou para a frente do posto de saúde abarrotada de gente.

__Essas pessoas não tem ninguém para dar- lhes voz!

E desceu do carro com o microfone em punho.
Sem que visse, sorrí de admiração, peguei a câmera e, apontando para ele, disse:

__Gravando!

sábado, 26 de setembro de 2009

Coração de Mãe

Como um catarro incômodo escarrado da garganta, ele nasceu! Cuspido do ventre amargo de uma mulher que jamais seria realmente sua mãe.
Uma prostituta, que nem mesmo sabia qual dos "porcos" com quem se deitara era o pai daquele parasita que, por nove meses, vinha atrapalhando seus negócios. Para ela, estar grávida era como estar com lepra, ninguém queria uma "puta prenha". O odiou antes mesmo de nascer!
Quando soube da gravidez pensou em arrancar aquela "coisa" de dentro dela, uma colega chegou até a indicar- lhe um comprimido ótimo para isso. Mas era preguiçosa, acomodada, foi deixando... deixando... Até que nenhum comprimido ou médico pudessem fazer mais nada.
Sem opções, o jeito foi esperar e agora, enfim, estava livre!
Não esperou nem mesmo o fim do resguardo para voltar ao trabalho, não era exatamente de dinheiro que precisava, era de crack!
Á noite, no cúbiculo sujo e mofado onde morava, tornou- se comum ouvir não apenas os gemidos da puta sendo currada por qualquer bêbado que tivesse a sorte de ter vinte reais sobrando em seus bolsos, como também o pranto de fome do recém-nascido, que era colocado para dormir em um precário caixote de feira forrado com trapos imundos.
Os fartos seios da prostituta estavam maiores do que nunca, repletos de leite, mas nenhuma gota era para o bastardo, a única vantagem de ter parido era o tamanho que seus peitos haviam ficado, tinha de aproveita- los com os clientes!
Esses, adoravam aperta- los até arrancar gritos de dor da mulher e esguichar o líquido branco e quente por todo o quarto, as vezes até o bebiam dizendo ao vento:

__ É tão vaca que dá até leite!

"Porcos filhos da puta!"

Ela pensava fingindo não se importar com a degradação sofrida no sorriso falso do rosto suado!
E eram tão parecidos com esse animal que chegavam a grunhir enquanto penetravam com seus pênis o "rabo" daquela "vaca", cujo ânus já alargado pela "vida" nem sentia mais o coito.
Eram, em sua maioria, homens brutos, violentos, crescidos no abandono e de alma forjada por todo tipo de drogas. Sem nunca terem recebido amor, também não sabiam dar! Encontravam em mulheres como aquela satisfação física e uma morbida excitação em impingir a dor, como se tomassem o que não tiveram e devolvessem o que haviam recebido.
Eram violentos! Eram insensíveis! Eram porcos!

"Porcos filhos da puta!"

Eram todos filhos dela!

Amélia

Acordou sentindo- se estranha naquele dia. Não teve tempo de descobrir o porquê, pulou da cama antes de todos e foi para cozinha preparar o café da manhã para o marido, que tinha que trabalhar, e os três filhos que, como sempre, tinha que acordar para que não perdessem a hora do colégio.

"Mãe! Fala pra Bia sair logo do banheiro que eu preciso tomar banho!"

"Querida, você sabe onde estão as chaves do carro?"

"Pega a minha mochila Mãe!"

"Cadê meu boné?"

"Passa minha saia!"

"Derrubei café no terno!"

"Cadê... Pega... Passa..."

E ela resolvia tudo enquanto sua família fartava- se com o desjejum.
Sem despedidas, era então abandonada naquela jaula de trinta metros quadrados no oitavo andar daquele prédio velho, junto a louça suja e migalhas por todo lado.
Também queria sair, mas não podia! Tinha coisas demais para resolver.
O trabalho doméstico não dava trégua!
Seus passeios haviam sido reduzidos a idas e vindas do supermercado.
Deixou um prato cair enquanto lavava a louça, sentindo- se uma inútil por deixar isso acontecer começou a chorar.

"Droga de mão boba!"

A mão estava inchada e dormente.
Recolheu os cacos e, antes de continuar as tarefas de limpeza, ligou a companheira para que conversasse com ela, a TV!

"Ah!"

Quase se esquecera!
Os comprimidos de fósforo para a memória!
O marido andava reclamando que ela andava muito esquecida.
Da cozinha foi para o banheiro.
Esfregou pia, vaso sanitário, azulejos, tirou cabelo do ralo, as toalhas molhadas... No quarto arrumou as camas, recolheu as roupas espalhadas, brinquedos, revistas... Lavou e pendurou roupas, passou as que estavam secas, colocou o arroz no fogo para a janta, passou pano na casa, tirou o pó... Parou!
Apoiou- se no encosto do sofá com uma dor terrível no peito. Caiu no chão se contorcendo, era um infarto!
Não tentou resistir, de certa forma era um alívio. Em alguns minutos estava morta. Morta e feliz!








"O arroz no fogo!"

Lembrou- se.
Levantou correndo de onde jazia e foi até a cozinha.
Sorte! Não estava queimado, mas teria que deixar o infarto para outro dia, tinha a vida inteira para morrer e ainda faltava fazer a mistura e o suco, em breve a família chegaria em peso para jantar.
Antes de continuar tomou mais um comprimido para memória, quase se esquecera do arroz no fogo.

"Imagina se meu marido fica sabendo disso!"

O Fio da Meada

Baseado numa história real

O policial em pé a minha frente vai vomitando toda sua ocorrência para mim (Deus! Como odeio esses jargões da PM!) enquanto minha experiente escrivã, senhorita Cinthia, uma solteirona de 50 anos, vai digitando a história.

__ Estavamos em "Patru com vistas" quando "pagou" via "rede- rádio" um "QRU" de latrocínio. Fomos com uma "certa" até o "QTH" e encontramos o dono da residência "zerado" no quarto, aparentemente a pauladas, e sua esposa trancada com o filho no banheiro. Fizemos uma busca no local, mas os "malas" já tinham se evadido!

Eu fico lá... Balançando a cabeça enquanto minha atenção está focada na placa de identificação no peito do Cabo da PM a minha frente. Seu sobrenome é Cetanelle, deve ser de descendência italiana. Mas não foi isso que chamou minha atenção, foi a placa em sí que diz: CABO CETANELLE __ CÁ BOCETA NELLE!
Começo a dar risada e nem o cabo nem a escrivã entendem nada.

__Tudo bem doutor?

Digo que sim e me recomponho. Dispenso o cabo, prefiro pegar os detalhes com a família, então peço para que o policial chame a mulher da vítima... "com uma certa!" Digo irônico ao PM, mas quem entende é a senhorita Cinthia, que desvia a vista para o lado escondendo o sorrindo.
A maioria das pessoas acha que o trabalho de delegado é repleto de aventuras e mistérios como nos filmes. Tolice! Na verdade é um trabalho burocrático, passo a maior parte do tempo sentado nessa mesa, ouvindo pessoas e assinando papéis.
É no depoimento, na história ou nas lacunas dela que pode estar a solução para os casos:
Um apelido dito sem querer por um dos bandidos!
Uma cicatriz ou tatuagem percebidas pelas vítimas!
Alguma informação que os bandidos tinham e que não deveriam ter!
É afinando a história que encontramos um fio solto no novelo, o fio da meada! Daí é só puxa- lo!
A esposa do falecido entra, olhos vermelhos, lenço na mão e um belo corpo! O rosto está inchado pelas lágrimas e ela já não é nenhuma mocinha, mesmo assim é possivel perceber tratar- se de uma mulher bonita e bem cuidada.
Não emito nenhuma saudação infame do tipo: __Tudo bem?__ Apesar de ter que admitir que cometí muitas dessas gafes no inicio de minha carreira.
Apenas aponto com o braço para que ela se sente na cadeira a minha frente.

__ Pode me dizer seu nome e o nome de seu esposo?

__ Sandra Deodato, e José Henrique Deodato.

__ As idades Dona Sandra?

__ A minha é 36 e a de meu marido é... era 42!

A escrivã interrompe pedindo licença para sair da sala, eu concedo e continuo minhas perguntas:

__ Qual era a profissão dele?

__ Tinha uma empresa de embalagem plásticas.

__ Era empresário então!

__ Isso! Um microempresário!

E minha enquete segue, em meio ao som da impressora matricial trabalhando initerruptamente na recepção, Sandra responde muito claramente:

__ Estavamos morando aquí na região a cerca de três meses, nos mudamos da zona sul após um sequestro que sofrí... Não, os sequestradores não foram pegos... Meu marido pagou o resgate e só notificou a polícia após minha libertação... Sim, eram os mesmos homens! Nunca vou esquecer aqueles rostos!

Faço uma pausa nas perguntas para que a mulher chore um pouco. Empurro na direção dela a caixa de lenços de papel sobre minha mesa e espero.

__Me desculpe!

Diz a mulher após três minutos.
Digo para ela não se preocupar, para ficar a vontade, que sei que é difícil e blá blá blá... Se um dia deixar de ser delegado vou virar psicólogo!
Minha escrivã retorna com alguns papéis na mão.
Volto então ao depoimento:

__Mas me diga, Dona Sandra! Como foi que tudo aconteceu?

__ Estava em casa com meu nenem, deveria ter ido para a academia de ginástica onde malho mas ela não abriria hoje, aproveitei então para dar folga para nossa empregada.
"Meu marido chegou no horário de sempre, mas rendido por dois homens. Um deles me trancou no banheiro com meu filho e não pude ver mais nada, apenas ouví enquanto batiam no meu marido para que dissesse onde tinha dinheiro na casa. Ele apenas gritava, dez, vinte, trinta minutos... Até que não gritou mais!
Desesperada, liguei para a polícia! Mas era tarde!

Nova pausa, mesmo motivo!
Pelo jeito vou precisar comprar outra caixa de lenços!
A escrivã me dá os papéis que trouxe. É o B.O de sequestro do casal, como disse, a senhorita Cinthia é muito eficiente! Numa folheada confirmo que a história bate.
Mando a mulher para a sala ao lado fazer um novo retrato falado dos sequestradores, mas antes faço a última pergunta:

__ E havia mesmo dinheiro na casa?

A mulher me olha com olhos carregados e responde:

__ Não! Nem um centavo em casa ou no banco! Estamos numa situação muito difícil desde o sequestro.

Peço para a escrivã acompanhar Sandra até o desenhista técnico e trazer na volta o Senhor João Carlos Deodato, irmão e sócio da vítima.

__ Com licença doutor?

__ Sente- se sr. João!

Explico sobre a co- relação do assassinato com o sequestro de três meses antes e começo meu inquérito:

__ Faz idéia de por que seu irmão não acionou a polícia na época do sequestro?

__ Medo! Cansei de dizer a ele para que chama- se a polícia, mas Sandra estava grávida, para ganhar nenem, e ele quis resolver tudo o mais rápido possivel!

__ Seu irmão pagou cinquenta mil reais de resgate, sabe quanto eram seus fundos na época?

__ Ele tinha exatamente essa quantia! Cinquenta mil!

__ Interessante! E sabe quem tinha acesso aos rendimentos dele na empresa?

João Carlos precisa de um tempo para pensar.

__ Eu e os funcionários da contabilidade. Acho que só!

__ Quantos funcionários?

__ São três...

Ele me passa o nome de cada um deles e permito que se retire.
Mal a porta se fecha e alguém a abre perguntando se tenho um minuto.

__ Agora não posso, estou ocup... Ora! Mas é você seu safado! Quanto tempo! Vamos, entre!

É Alvaro, um velho amigo meu que trabalha na perícia. Havia sido escalado para o latrocínio de José Deodato e aproveitou para me visitar.
Senhorita Cinthia nos tráz café para ajudar a botar a conversa em dia:

__ E a esposa? Como estão os filhos? Precisamos marcar um churrasco! O governo tá cada dia pior! Antigamente não era assim! Tem visto o Palhares? Santista ainda!? Não cansou de sofrer? Ahahahahahhh!!!

Alvaro me mostra então as fotos tiradas por ele na cena do crime. A cabeça careca parecia uma melancia de tão inchada.
Seria duro saber se o pobre diabo havia morrido espancodo ou sufocado pois, além das mãos e dos pés, também o rosto da vítima tinha sido envolvido por fita adesiva larga, Interessante!
Vendo que estou ocupado Alvaro se despede. Acompanho meu amigo até a porta da sala, de onde chamo novamente o Cabo Cetanelle, dessa vez o trocadilho nem passa por minha cabeça!

__ Diga- me Cabo, qual foi seu procedimento e o de seu parceiro ao chegarem no local?

__ Acionei o resgate para a vítima mesmo não encontrando pulsação e arrombei a porta do banheiro de onde a esposa pedia socorro! Meu parceiro fazia varredura pela residência a procura dos criminosos!

__ Obrigado cabo, é só isso!

Peço para a escrivã trazer novamente o irmão da vítima até minha sala. Converso com ele e em seguida chamo Dona Sandra. Ela vem, já com os retratos prontos, senta- se a minha frente e eu lhe pergunto:

__ Esquecí de lhe fazer a pergunta mais importante! A quanto tempo malha na mesma academia?

A mulher fica pálida e repito a pergunta.

__ Dois anos.

Responde enfim. Eu continuo:

__ Eu ouví sua história e percebí que tem muitas pontas soltas, como quando você disse que os assaltantes perguntavam ao seu marido onde havia dinheiro. Eu nunca ví amordaçarem ninguém pra depois interrogar! Também achei estranho você não ter ligado imediatamente para a polícia após ser trancada no banheiro, segundo suas palavras você esperou cerca de meia hora...

Continuo pressionando Sandra, que nega tudo. Comparo os retratos falados de três meses atrás com os feitos há pouco, não chegam nem perto de serem parecidos:

__ Diz a verdade Sandra, nunca houve sequestro, foi estelionato, você e seu comparsa fingiram o sequestro e agora que o dinheiro acabou planejaram ficar com o dinheiro do seguro de vida do seu marido.

Foi para saber isso que havia chamado novamente João Carlos, cheguei a pensar que ele estaria envolvido, mas me pareceu mais provável alguém da academia, que aliás não abriu no dia!
Demora um pouco, mas Sandra acaba confessando, entregando o amante, um instrutor da academia, e desabando em lágrimas.
Ela estica o braço para pegar um lenço de papel mas eu puxo a caixa, ainda há alguns e outras ocorrências para ouvir, posso precisar com outra pessoa!
Mando um dos investigadores recolhe- la a uma cela. Saio um pouco de dentro da minha sala para tomar um ar, me sinto incrível, ao invés de um crime resolví logo dois.
Na recepção outras pessoas com outras histórias reclamam da demora, acham um absurdo demorar tanto para fazer um boletim.
Ainda bem que não são eles os delegados!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A Foto do Pescador

Um sujeito e tanto aquele José Patrício, um desses tipos que poderia muito bem ter saido da tela de algum filme do cinema noir.
Um fotógrafo experiente, de humor sarcástico. Sabia falar a linguagem das ruas, se fazendo entender e respeitar tanto pela polícia, quanto pelos bandidos, ou "malas" como ele preferia dizer em gíria policial.
Tinha mais de vinte anos de janela, grande parte deles no jornalismo policial. Atualmente trabalhava no pomposo "O Estado de São Paulo", mas havia feito carreira no extinto "Notícias Populares".
O NP sempre foi considerado por muitos como um tablóide de sensacionalismo barato, pois que não falassem isso perto do Patrício! Ele tinha tanto orgulho de ter trabalhado nesse jornal que até os dias de hoje contava os "causos" daquela época, sacando do bolso recortes de jornal, já amarelados pelo tempo, com a matéria que acabara de contar.
Era a foto do pescador! Uma prova de veracidade da história contada!
Seu recorte preferido falava de uma chacina onde um dos "mortos" havia se levantado e se entregado a polícia numa verdadeira "volta dos mortos vivos".
Nos divertíamos ouvindo essa história, de como ele percebeu, enquanto tirava fotografias das vítimas caídas no chão, que uma delas ainda respirava!

__ Chefão! Esse aquí ainda está respirando!

Disse ele ao policial no local.

__ É impressão sua!

Foi a resposta que ouviu!
Ficou lá, encucado com aquilo, até que chegou ao local a polícia civil e, para espanto de todos, o "morto" se levantou correndo e se jogou dentro da viatura.
O homem havia se fingindo de morto pois os policiais militares lá presentes eram os responsáveis pela chacina, quando os civis chegaram foi sua chance de sair vivo dalí!
Essa era apenas uma entre várias histórias.
O fato é que, sensacionalista ou não, foi do NP que sairam alguns dos maiores nomes do fotojornalismo nacional, tanto que o Patrício foi o único fotógrafo até hoje que ví conseguir publicar uma foto de chacina com corpos expostos no Estadão (se não me engano foi até capa dessa edição), acabando com o mito de que esse jornal não publicava corpos de mortos.

__ Basta saber fazer velhinho!

Ele dizia rindo!
Não era o único, mas era um dos poucos que sabia o nome e o número de cada delegacia de São Paulo, e mais, tinha uma história para contar sobre cada uma delas!

__ 1° Dp, Sé, alí na rua da Glória. Dizem qua esse distrito é assombrado! Deve ser, mas por funcionários fantasmas que nunca passam nada pra gente!
"2° Dp, Bom Retiro... "

E sua lista ia até o 103° Dp em Itaquera sem gaguejar.
No 14° Dp, em Pinheiros fiz parte de um de seus "causos", talvez não tão dramático quanto o morto vivo, mas que me foi uma verdadeira lição de jornalismo.
Aconteceu na mesma época em que o conhecí. Eu já trabalhava com jornalismo há algum tempo, mas era um novato na madrugada e posso afirmar tratar- se de outro jornalismo nesse horário!
A madrugada talvez seja o último refúgio da reportagem policial, ao menos a legítima! Diferente do dia, nesse horário não existe matérias mastigadas. Aos repórteres são necessários muito jogo de cintura e perspicácia para se decifrar os casos, montando os fatos como num quebra cabeça.
A história no 14° distrito nos chegou da seguinte forma:
A PM teria abordado bandidos em um veículo, roubado de um tenente da polícia militar alguns minutos antes e, após troca de tiros, os marginais teriam morrido.
Nos dirigimos para a delegacia onde o sargento responsável pela ocorrência nos deu uma entrevista padrão:

__ Foi pago via rede rádio o furto do carro do Tenente Calavare estacionado em frente a residência do mesmo.
"Em patrulhamento pela região nossa equipe se deparou com os indivíduos no veículo roubado. Na tentativa de evadirem- se do local os criminosos efetuaram disparos contra a guarnição que, em resposta a injusta agressão, teve pronta resposta atingindo os meliantes."
"Socorridos ao hospital mais próximo, não resistiram aos ferimentos e infelizmente entraram em óbito."

O sargento sacou então de dentro de sua viatura uma pistola desmuniciada e um pente de balas que teriam sido usados pelos criminosos na troca de tiros, colocando ambos os objetos sobre o capô do carro para que fossem feitas as imagens necessárias.
Acostumado a esse tipo de situação o José Patrício logo pediu autorização para mexer na arma e no pente e coloca- los na melhor posição para fotografa- los.

__ Fique a vontade!

Responde o sargento.
Essa melhor posição consistia em enfiar o pente dentro do arco protetor do gatilho da pistola, utilizando- o como suporte para manter o armamento em pé sobre o capô do carro.
Isso pode parecer não fazer diferença alguma, mas quem entende de imagem sabe que descolando o objeto de interesse da superfície em que se encontra ganha- se profundidade de campo, valorizando a fotografia.
Tentou, tentou, tentou e nada, o pente não entrava naquele gatilho de forma alguma!
O Patrício olhou irritado para a pistola e o pente e pondo- os de volta sobre o capô, um ao lado do outro, disse:

__ Vai assim mesmo!

E enquanto fotografava a pistola e o pente, o resto das pessoas alí presentes (imprensa, policiais, curiosos) ria dele e de seu desconcerto pela inabilidade com o armamento.
Matéria terminada, fomos para o Bar Estadão comer seu famoso lanche de pernil, enquanto comia aproveitei para tirar o sarro do Patrício:

__ Aquela pistola te derrubou, hein!?

Muito serio, ele olhou para mim por cima dos óculos.

__ Velhinho! Sabia que todo pente encaixa dentro da pistola a que pertence! É padrão de fábrica! Quando não encaixa é porque não pertence a ela!

Eu fiquei mudo enquanto ele continuou:

__ Quando ví que não encaixava dei uma bela olhada. Primeiro na pistola, uma bela 380 cromada! Depois nas balas do pente, não eram de 380, mas sim de 9mm.
"Não houve troca de tiros, pelo menos não com aquela pistola, que os pm's devem ter montado de improviso."
"O que provavelmente aconteceu é que os 'malas' deram o azar de roubar o carro da um tenente e foram executados por isso!"

De repente aquela situação perdeu a graça, enquanto estavamos rindo do Patrício os policiais nos enganavam e riam, não dele, mas de nós!
No fim ele era o único que sabia a verdade, isso porque não se limitou na versão oficial e montou os fatos, como num quebra cabeça.
Como já disse antes, um sujeito e tanto aquele José Patrício!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Felicidade

Felicidade é tudo aquilo que produz um sorriso!

domingo, 6 de setembro de 2009

Discussão

A pior discussão é aquela trocada apenas por olhares.

Somos todos vitruvianos!

Deixo claro que o 'quadrado' não é nenhuma teoria criada por mim!
Tive contato com ele numa aula de história da arte (mais especificamente sobre o construtivismo russo para os interessados) ministrada pela Prof° Dr° Magnólia Costa, e é fruto de anos de estudo dos mais brilhantes pensadores de nossa história.
Em alguns raros momentos de nossa vida temos a oportunidade de expandir nosso horizonte. E isso é tão bom! A possibilidade de ver certas coisas com maior clareza e ver detalhes antes desconhecidos.
Há quem considere a ignorância uma benção! Pois ao meu ver, se ela é uma benção, é uma benção egoísta e autodestrutíva. Tudo bem que muitas vezes o conhecimento nos coloque a par do pior que existe no ser humano, nos cause frustração e tristeza! Mas, se não tomarmos conhecimento de todos os nossos 'EUs' e de nosso 'NÓS', estaremos fadados a repetirmos cegamente os nossos erros, prejudicando outros e nós mesmos e, o que acho mais triste, sem nunca sabermos em quais momentos estivemos certos.
A mencionada aula sobre o construtivismo russo foi para mim um desses momentos onde nossa mente se abre, reduzindo, um pouco ao menos, o condicionamento cultural ao qual começamos a ser submetidos 2000 anos antes de nascermos.
Portanto, se a teoria do 'quadrado' em sí não é minha, os pensamentos a que ela me levou são. É bem provável que em alguns pontos minhas idéias cruzem com a de outros pensadores do passado, ou mesmo com as suas. Assim espero! Pois o caminho do conhecimento deve ser formado por diversas trilhas do saber entrelaçadas e não pela estrada única do absolutismo.
Há quem diga que o homem inventou a roda. Acho mais correto dizer que ele a copiou!
O círculo é a forma geométrica mais decorrente na natureza.
Da observação de uma pedra rolando por uma encosta até a confecção de uma roda foi questão de associação. Não estou dizendo que não tenha sido necessária inteligência para isso, mas creio que a verdadeira criação do homem (e talvez sua criação máxima!) tenha sido o 'Quadrado'!
Um formato que não existe na natureza, que homem algum jamais havia visto para poder reproduzi- lo. É o quadrado o símbolo da razão humana, e é sobre ele que erguemos nossa sociedade.
Exagero!?
Pare para pensar em nossa 'visão' e em nossa 'visão de mundo'.
Nosso olho, pupila, retina, córnea... Tudo em nossa vista é redondo, fisicamente nossa 'visão' também! Mesmo assim nossa 'visão de mundo' é quadrada! Basta ver o formato de nossas fotos, nossos quadros, a tela de nossa TV, a forma de nossos livros... Quadrados!
Se isso não for suficiente temos ainda nossa divisão de espaços: Lotes, blocos, quarteirões, até o planeta em que vivemos, que apesar de ser arredondado por natureza fizemos questão de dividi- lo em meridianos e trópicos como num tabuleiro de xadrez.
Nossos cômodos são quadrados: sala, quarto, cozinha... Nos cercamos tanto deles que nem mesmo os percebemos mais.
Nós mesmos estamos nos tornando quadrados e isso nos afasta cada vez mais de nosso ponto natural.
Em 1508 o Papa Júlio II procurava quem pintasse o teto da Capela Sistina, pediu então para Michelângelo uma prova de sua habilidade como artista. O pontífice recebeu surpreso do pintor um círculo perfeito, desenhado a mão livre!
O circulo é o símbolo do infinito, alpha e ômega em união perfeita, sem início ou fim, o diagrama da divindade!
Por volta da mesma época, outro renascentista, Leonardo da Vince, fez um desenho que se tornaria famoso até os dias de hoje: O homem vitruviano, que consiste na figura de um homem dentro de um círculo, sobreposta à mesma figura masculina, mas em posições de braços e pernas um pouco diferentes, dentro de um quadrado.
Gosto de olhar para o homem vitruviano e refletir sobre a luta entre a razão e a espiritualidade.
Talvez sejamos como ele, pessoas divididas entre o bem e o mal, o racional e o espiritual...
Entre o círculo e o quadrado.

sábado, 5 de setembro de 2009

Erros de Julgamento

Erros de Julgamento
Nosso erro é julgar os outros com base em nós mesmos!

Gentes

Existem muitas pessoas no mundo... Mas poucos tipos delas!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Nem tudo que reluz é ouro!

Vivemos numa época onde certos valores parecem estar distorcidos, como se as pessoas não conseguissem mais diferenciar nitidamente o certo do errado, o bem do mal, numa espécie de miopia social!
O errado se tornou tão banal que muitas vezes o incorporamos em nossa rotina como se fosse algo normal.
Durante algum tempo mantive dois empregos. Esse, que mantenho até hoje como repórter cinematográfico na madrugada paulista, e outro como cinegrafista e iluminador nos estúdios de certa denominação religiosa.
Na madrugada se vê coisas terríveis, como pais que matam as três filhos, os esquartejam e jogam seus restos no lixo. Ou um homem religioso e trabalhador que um dia, sem qualquer explicação, surta e mata a mulher e os filhos a marteladas, deixando, antes de ser morto pela polícia, um rastro de 1 Km de carros destruídos.
São histórias que marcam em nossa memória, e que chocam quem as ouve.
Um dia, após ouví- las, uma repórter da Igreja onde trabalhava me perguntou como eu conseguia trabalhar na madrugada com jornalismo polícial, se não me sentia mal fazendo aquilo.
Minha resposta foi tão espontânea que até eu fiquei surpreso com ela:

__ Pelo contrário. Sinto- me mal fazendo o que faço aquí!

A repórter calou- se!
Eu também!
Cada um seguiu seu rumo. Mas enquanto arrumava a iluminação de um dos estúdios, tentava entender por quê havia dito aquilo! Por quê me sentia daquele modo!?
Encontrei minha resposta na história do soldado nazista, que é julgado após a guerra pela execução de vários judeus, mas afirma não ter nada contra esse povo:

__ Só seguí as ordens superiores!

Mas isso o isenta de sua responsabilidade? Ele não deveria diferenciar sozinho o certo do errado?
Um soldado nazista! Era assim que me sentia trabalhando para aquela igreja que não pregava amor ao próximo, mas sim prosperidade financeira!
Apesar de seus discursos embasados na bíblia, não tinham interesse real de que o mal se extinguisse, assim como um vendedor de lenços não quer que as pessoas parem de chorar.
Claro que conhecí pessoas íntegras nos círculos mais altos dessa denominação religiosa, mas infelizmente eram minoria.
Jung diz em um de seus textos a seguinte frase:

"Quem olha para fora, sonha! Quem olha para dentro, desperta!"

Eu despertei, me demitindo daquele trabalho nos estúdios da Igreja.
A madrugada pode ter casos de pura maldade, mas ela está nítida! É facil de não se deixar envolver, de manter distância.
Já, em outros lugares, o mal é tão sutil que, quando nos damos conta, estamos completamente envolvidos, como deve ter acontecido com muitos soldados nazistas!

Palavras "sinceras" porém sinceras

Escritores raramente escrevem mentiras. Preferem escrever "verdades".

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Temor Lúcido

Não há nada de errado em ter medo, é ele o sentimento que nos mantém no eixo, dentro dos limites da sanidade. A própria bíblia pede que sejamos tementes a Deus. Preocupe- se quando não temer nada, pois estará em território de loucos e suicidas!

Evolução

O homem não evoluiu, foram as coisas ao nosso redor que se modernizaram!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Amor e dor

Na fronteira livre entre  amor e ódio
Perdido! Hora d'um lado hora d'outro
Criando sozinho a discordia no peito
Judas! Sou eu! Que traio a mim mesmo.

Culpo inocentes por toda dor
Exilo de mim o melhor que sou
Me torno tirano num corpo deserto
Sem alma! Não vivo! Apenas existo!

Objeto!

Uma Flecha ao Léu

Subitamente a dor se foi! Nelson sabia que aquele seria o momento. Queria aquilo, mas não se podia dizer que estava feliz! Era impossível quando se estava morrendo!

"É bom parar de sentir dor!"

Não pensava só no corpo desgastado pela doença, o espírito era o mais abatido!
Sua vida sempre fora incrível! Vinha de berço, era bonito e confiante, sua namorada era linda, a amante ainda mais! Se formara em publicidade e era fotógrafo de uma das maiores agências do país, viajava o mundo fazendo o que gostava.
Tudo dava certo, não era difícil prever um futuro glorioso para ele... Até o imprevisto!
Câncer! Aos trinta anos!
Teve que parar de trabalhar, de viajar. Foi confinado a um quarto de hospital.
A beleza se esvaiu em sessões de quimioterapia e rádioterapia! A confiança também!
A namorada não aquentou a barra e se foi, a amante já estava em outra!
Para lhe acompanhar veio a dor, essa não desgrudava.
Todo o dinheiro não servia de nada, era ainda pior.

"Se fosse pobre pelo menos já teria morrido em algum hospital vagabundo!"

Era o pensamento nas crises mais brandas. Nas mais agudas só clamava por Deus! E sempre se considerou um ateu, tolo! É em momentos como esse que um homem descobre no que realmente acredita.
Agora a dor havia partido e em breve ele também partiria.
Fechou os olhos para que a vida toda passasse diante deles. Não viu nada!
Esperou então o tubo de luz que o levaria ao outro lado.
Nada!

"Porcaria!''

Pensou inconformado

"Pelo jeito nem mesmo a morte certa é previsível!"

Achados e Perdidos

__ Chefe! Chefe! Acharam este embrulho lá em cima!

O Tal do "chefe" (que na verdade era só o funcionário mais antigo dos dois componentes daquele departamento) olha a caixa amarela amarrada com fita vermelha e diz sem interesse:

__ Jogue junto com o resto!

__ Mas chefe...
__ Sem "mas"!

Aponta para a longa fila antes de continuar:

__ Não vê que estou ocupado!

Trabalhavam no departamento de achados e perdidos e o que mais tinha naquela cidade eram perdidos!

__ Próximo!

Num primeiro momento o funcionário não vê ninguém no guichê e repete:

__ Próximo!

A cabeça de uma garotinha de uns dez anos emerge então no balcão. O homem se debruça para vê- la melhor, perguntando:

__ Olá, meu anjo! Em que posso ajudá- la?

O "anjo" responde sem rodeios:

__ Perdí minha virgindade! Não tem nenhuma por aí? Não precisa ser a minha, pode ser a de qualquer um!

__ Infelizmente não posso te ajudar, minha querida! Isso é uma coisa que todos perdem e, apesar de saberem exatamente onde, jamais encontram novamente... Próximo!

A menina sai chorando, dando lugar a um homem de meia idade segurando um lenço ensanguentado contra o nariz.

__ Pois não?

Pergunta o atendente.

__ Perdi a paciêcia no trânsito hoje! Me faz muito mal perdê- la, olha só meu nariz!

__ Terrível! Ninguém se aproxime dele! Ele foi infectado com o TRÂNSITO!

O trânsito era o pior vírus da perda nos últimos anos, após ser acometido por ele a pessoa começava perdendo o tempo, depois a paciência, o respeito, alguns perdiam sangue, dentes e, as vezes, até a vida!

__ E o que eu faço agora?

__ Vá imediatamente para um hospital!

__ Obrigado amigo!

__ Mas não vá pela marginal, está tudo parado por lá!

O homem se vai apressado. Antes que o funcionário possa chamar a próxima pessoa a ser atendida, seu colega pergunta:

__ Chefe! No hospital eles tem a cura para o trânsito?

__ É claro que não! Mas pelo menos lá ele voltará a ser um paciente!

O "chefe'' nota que seu colega ainda segura o embrulho de presente.

__ Você ainda esta com isso aí?

__ Era isso que estava tentando lhe dizer, está vindo um barulho aquí de dentro!

O experiente funcionário pega a caixa e encosta o ouvido nela.

Tic... Tic... Tic... Tic... Tic...

Olha pálido para o amigo.

__ Será que é uma bomba?

Ambos ficam olhando para a caixa.

__ Pode ser que seja só um relógio!

Diz com otimismo o funcionário mais novo.

__ Não acho! Se fosse um relógio faria Tic- Tac, e não só Tic... Tic...

__ Talvez seja um relógio de um ponteiro só!

__ Ficou louco? Não existe relógio de um ponteiro só!

__ Pois se existe até sem nenhum ponteiro! Como os digitais!

__ Então sabichão! Me fala um relógio que tem um só ponteiro?

Ele pensa um pouco e, num estalo, responde:

__ A bússola!

__ Aí não vale, bússola é bússola e relógio é relógio!

__ Vale sim! São objetos irmãos, que são quase idênticos e tem quase a mesma função!

__ Quase idênticos tudo bem! Mas por quê quase a mesma função?

__ Ora! A bússola não aponta para o NORTE?

O funcionário mais velho concorda com a cabeça e o outro conclui seu raciocínio.

__ Pois o relógio aponta para a MORTE!

Não gostou de pensar em relógios apontando para o seu futuro, para sua morte!

__ Coloca logo esse presente junto com o resto das coisas!

__ Mas e se for uma bomba?

__ Não podemos fazer nada! Só esperar que não seja! O protocolo diz que qualquer objeto deve ser guardado aquí, devemos seguir as regras... Próximo!

"Trinta anos trabalhando aqui e o que recebo de presente? Afinal o que é o presente? Uma bomba prestes a explodir? Um relógio correndo apressado rumo a morte? Um mistério indecifrável?"

São os pensamentos qua vagam na cabeça do funcionário.

__ Próximo!

Repete irritado sem notar que já há uma pessoa no guichê.

__ Desculpe, senhora! Estava distraído! Mas, em que posso lhe ser útil?

A idosa responde com muita tristeza nas palavras:

__ Perdí minha juventude meu amigo!

O funcionário deixa cair seus ombros e desabafa:

__ Eu também! Minha senhora! Eu também!

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Pau é pau, pedra é pedra!

Entendo o "sim", posso entender o "não", mas não me peça para entender o "talvez", esse é tão vago, que me vejo no direito de interpretá-lo da forma que me for mais conveniente.

Quem responde a uma pergunta com "talvez" deixa a decisão nas mãos de quem ouve.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

In Vinus Veritás

O fogo queimando no interior do corpo de Andréia aumentava conforme aquela mão firme e quente subia por sua perna, levantando a barra de seu gélido vestido de seda e desnudando a coxa branca e macia até a altura da cintura fina.
Sua boca protestava.

__ Desgraçado! Filho da Puta! Te odeio!

Mas o quadril, comprimido entre a parede da sala e o corpo do homem, não sabia mentir, entregando a verdade nos movimentos que fazia, esfregando- se "vulgarmente" em busca de satisfação nos volumes da cintura colada a sua.
Com a outra mão o homem, cujo nome era Flávio, puxou para tráz os perfumados e lisos cabelos loiros da mulher, abrindo assim caminho para que seus lábios percorrecem do pescoço alvo ao suntuoso busto decotado!
Nem a boca podia mais mentir, mordia o lábio inferior, como era seu costume quando sentia prazer!
A mão na cintura de Andréia vagava os dedos lenta e suavemente pela pele.
Flávio podia sentir pêlos e poros se arrepiando nela.
Sabia ler os sinais, e aqueles diziam uma única coisa... "Me tome!"
Toda a palma da mão entrou em contato com a barriga trêmula de excitação, Flávio sentiu o piercing do umbigo encaixar- se entre os dedos. Devagar a mão foi escorregando para dentro da calcinha, se apossando dos desejos mais íntimos e pevertidos de Andréia.
Ela tirou o vestido de seda;
Ele, arrancou- lhe a calcinha com um puxão violento na peça de roupa.
Andréia emitiu um grito abafado, mais de prazer do que de dor, e da parede foram ao chão.
Flávio foi preso ao abraço impossível de se desvencilhar das pernas bem depilalas da mulher, unhas foram cravadas em suas costas e, entre gemidos, devorava e era devorado naquela fome insaciável dos prazeres da carne!
Ambos alucinados, entorpecidos pelo cheiro dos hormônios exalados por seus corpos suados e entrelaçados e pela garrafa de Chianti Clássico, consumido momentos antes.

"O vinho!"

Andréia pensou após o sexo.

"É tudo culpa dele! Toda vez que bebemos, dá nisso!"

E olhou para Flávio, dormindo ao seu lado no chão aquecido por seus corpos.
Mais uma vez ela tinha vindo para terminar de uma vez por todas aquela "maluquice" em que se metera, mas novamente após algumas taças estavam transando.
Flávio era um cara incrível, conhecedor de vinhos, sacava sempre de sua pequena adega doméstica a garrafa perfeita.
Esboçou um sorriso ao lembrar a comparação que ele fizera dela com aquele Chianti Clássico que haviam bebido, mais especificamente a cepa que geralmente era utilizada em sua produção.

__ A uva Sangiovese é muito parecida com você!

Ele dissera.

__ Provém da Itália, como sua família, é levemente picante, como você, são bastante ácidos, que é como você se porta com a maioria das pessoas, também parecem ser muito secos, porém, um bom apreciador consegue sentir seu toque adocicado e sabor de especiarias e ervas finas, tornando- se um apaixonado pelos refinados vinhos produzidos com esta cepa!

E pronto! Estava seduzida!
Era incrível como aquele homem conseguia fazer com que ela, sempre tão controlada, perdesse o juízo, fazendo "coisas" que nunca imaginara: Algemas! Vendas! Tapas! Insultos! Fetiches! Depravações!
Não haveria problema, afinal ele também era culto, misterioso, entendia de belas artes, gastronomia, sabia ser romântico... Se ela já não fosse noiva de outro!
Conheceu Flávio num momento de crise, mas agora seu noivado transcorria tão bem! Não era justo continuar a fazer aquilo com seu noivo.
Tudo bem que ele não era tão exótico, mas era um porto seguro! Com o noivo sabia como seria a vida nos próximos trinta anos. Já com o amante, não tinha certeza nem dos próximos dez minutos.
Flávio andava lhe cobrando algumas decisões, uma escolha entre ele e o outro, mas Andréia sempre dizia que estava confusa, ele então enchia a taça dela para que bebesse mais e dizia num sorriso triste.

__ In vinus veritás!
(No vinho a verdade!)

Deitada alí no chão Andréia tomou enfiu sua decisão.
Levantou- se e vestiu- se tomando cuidado para não acordar Flávio. Foi embora silensiosamente do apartamento dele e não atendeu mais suas ligações ou tentativas de encontro.
Ela se casou e algum tempo depois, num dia chuvoso em que se sentia entediada em casa vendo o esposo jogar video- game, resolveu sair e comprar um vinho para beberem juntos.
Escolheu um Chianti Clássico.
Abriu, encheu as taças, sorveram a bebida e o marido comentou.

__ Nossa! Seco esse vinho hein!

Andréia não conseguiu conter o choro que persistiu por muito tempo sem que nada pudesse ser feito.

domingo, 23 de agosto de 2009

Ingrediente Secreto

A surpresa talvez seja o ingrediente secreto do tempero da vida. O fato de não sabermos o que vem em seguida torna tudo mais "apetitoso", afinal, ansiedade dá fome!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Sobre Ostras e Conchas

Gosto muito dos livros de Rubem Alves, foi lendo "Ostra feliz não faz pérola" que me coloquei a pensar nesse molusco singular.
A ostra é formada por duas conchas iguais porém inversas uma parte da outra para que sua união seja perfeita (Isso por sí só já acho incrível, iguais mas diferentes!)
Isoladamente cada parte não possui vida mas, quando estão juntas, se tornam uma unidade, um ser vivo, uma Ostra que, com o tempo, produz uma pérola em seu interior.
Talvez sejamos como conchas procurando nossa outra metade, buscando uma união tão perfeita, apesar das diferenças, que faça das duas partes um ser novo e único.
Cultivamos o desejo de gerar nossas próprias pérolas durante o tempo em que estivermos unidos ao nosso par!
Ou talvez sejamos apenas conchas solitárias na areia da praia, cujo tempo como Ostra já passou!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A História do Casarão Cinza

O casarão cinza no cume da colina era cercado pelo frio.
Fazia-o solitário a neblina pálida, nascida órfã a margem de um lago amargo, submisso aos pés da colina.
A água negra fazia subir seu bafo invejoso, erguendo assim as muralhas pardacentas que raio de sol algum poderia transpor.
Assim era o casarão cinza, uma casa com uma vaga lembrança da luz, onde as paredes úmidas eram salgadas como lágrimas e a angústia podia ser ouvida em madrugadas silenciosas, no ranger de ferro e concreto da estrutura. Era como se o próprio casarão tentasse mover-se e fugir daquele cume moribundo.
Já não se sabia, nem importava, quem o construíra. Fosse quem fosse, há muito havia sido mastigado e cuspido pelas águas sépticas do lago em alguma manhã triste.
Outros tentaram habitá-la... suicídio... loucura... assassinato... doença... e, finalmente, abandono!
A casa acabou tendo mais vida que seus moradores, era a única sobrevivente de uma guerra silenciosa entre uma colina e um lago.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Cometa Verde

Aqueles que pensam em fazer carreira na reportagem televisiva, saibam que terão de aturar muitos absurdos de suas chefias.
No inicio deste ano passou pelo céu de São Paulo um certo cometa verde, uma matéria ótima, quando produzida!
Infelizmente a emissora onde trabalho esqueceu do tal cometa, lembrando dele quando já era tarde demais para agendar qualquer observatório ou instituto de pesquisa. Ou seja, quando o infeliz já cruzava o céu.
Há alguns dias vinha trabalhando sozinho pois o repórter passava por alguns problemas pessoais.
Fui chamado até a redação, onde a chefia me passou minha pauta:
__ Tudo bem querido? Preciso que você pegue a câmera e grave o cometa verde que está passando no céu!
Fiquei pasmo!

Faça um teste; Pegue sua câmera de vídeo, espere anoitecer, e veja quantas estrelas você conseguirá gravar.
Nenhuma! As estrelas não emitem luz suficiente para serem captadas pelas lentes das câmeras, e o cometa mal poderia ser visto a olho nú, como vemos as estrelas.

Não quis entrar neste mérito, minha chefia não entende nada da parte teórica da imagem, isso nem era o mais complicado, poderia ter dito a ela que o céu era imenso, que seria como achar uma agulha no palheiro! Mas, em vez disso, optei pelo mais óbvio. Da janela da redação olhei para o céu, depois para a chefia, para o céu, chefia, céu... E disse:
__ O tempo está nublado!
A camada de nuvens era tão grossa que nem mesmo o brilho da lua podia ser visto atravéz dela, quanto mais o cometa verde!
A chefia olhou para o céu carregado e, após alguns segundos, "solucionou" o problema:
__ Então pegue uma viatura e veja se encontra algum ponto onde o céu esteja limpo.
Olhei uma última vez para aquela muralha que parecia estar estendida por sobre todo o Estado.
Nessas horas certos ditados passam por nossa cabeça; "Em Roma, seja como os romanos." "Quem está na chuva é para se molhar." "Nunca diga nunca!" Enfim, olhei prestativo para a chefia, dizendo: __ Já estou indo! __ E passei o resto da madrugada no bar de um amigo jogando sinuca e conversa fora!
De tempos em tempos me ligavam:
__ Conseguiu achar algum ponto?
__ Ainda não! __ Respondia.__ Mas estou procurando!
E, rindo, dava outra tacada, mandando a bola verde para a boca do canto.

Ficam, portanto, três conselhos:
Primeiro; Mesmo que não sejam vocês a opera-los, conheçam um pouco da parte técnica dos equipamentos para não falar nenhuma besteira e virar motivo de piada;
Segundo; Quando lhe pedirem algum absurdo, não se estresse ou discuta com seus chefes, na maioria das vezes eles só estão desesperados, tentando resolver algum erro que cometeram.
Terceiro; Quando voltar para a redação, faça uma cara de frustração pior que a de seu chefe. Além de fazer com que ele se sinta melhor você ainda marcará alguns pontos com ele, que encerrará o assunto dizendo: "Tudo bem! Nós tentamos!"

Fé Cega, Faca Amolada

I - O Vilarejo

Ela avançava, devorando tudo a sua frente. Rios, árvores, pedras... Nada podia se opor a sua passagem.
Assim entrou no vilarejo, faminta.
Veio pelos trilhos da serra, como um visitante que chega de uma longa jornada.
Engoliu dormente por dormente, até que toda a estação de trem se perdeu em seu estômago nebuloso.
Nem mesmo o orgulho dos habitantes do vilarejo resistiu: o relógio da estação, uma réplica fiel do Big Ben londrino, construído pelos colonos ingleses que trabalhavam na companhia férrea, uma forma de não se sentirem tão longe de sua terra natal.
A torre do monumento foi aos poucos desaparecendo, nem mesmo os ponteiros em seu topo puderam mais ser vistos.
Era uma demonstração de força, de que estava além do tempo. Sem pressa, a neblina continuou a saciar sua fome.
O vilarejo era dividido em duas partes, separadas pela estrada de ferro. A baixa, localizada na região de planalto entre os morros da serra, e a alta, que se espalhava encosta acima do morro, à direita da linha férrea, preenchendo desordenadamente do sopé ao cume.
A parte baixa era a mais antiga. Nela estavam escola, posto médico, os comércios e algumas residências que haviam sido moradia dos colonos europeus. A arquitetura desta parte era inglesa, toda em madeira de lei, simples, porém charmosa.
A parte alta era mais recente. Ali estavam a maioria das casas, resultado da expansão demográfica propiciada pela construção da ferrovia. Essas moradias na vila alta, como era chamada, não tinham o charme das situadas na vila baixa, eram de alvenaria, distribuídas entre si sem planejamento algum, o que fazia de seus becos e vielas um verdadeiro labirinto.
Apesar disso, cada vez mais as pessoas abandonavam a vila baixa para morar nas ruas sinuosas da vila alta, pois, com o fim da construção de todas as plataformas do engenhoso sistema funicular, responsável por movimentar os trens, os estrangeiros haviam retornado ao velho continente, vendendo seus belos e aconchegantes casebres de madeira aos trabalhadores brasileiros. Estes, por sua vez, desconheciam os cuidados necessários a este tipo de habitação, tão incomum a sua cultura. Com o tempo, e a fome voraz da neblina, a vila baixa foi se deteriorando. Hoje era apenas uma sombra do glamour dos dias passados.
Separadas pela linha do trem, estas duas vilas eram ligadas por uma precária passarela de madeira, já podre em grande parte de sua extensão e que nada tinha do requinte europeu ou da resistência da modernidade.
Os moradores de cada uma das vilas consideravam um risco atravessar tal passagem, mas ambos os lados o faziam. A parte alta para ir aos comércios, estação, escola... E a baixa por um único motivo: para ir à igreja, construída no topo da vila alta pelos brasileiros, pois os ingleses, todos protestantes, não haviam deixado lugar na parte baixa para construção de templos católicos.
A única menção católica que fora permitida na vila inglesa era o Pau da Missa, uma enorme árvore centenária, no centro da planície onde fora construída a vila dos ingleses. Pela sua localização, já havia servido como uma espécie de jornal da cidade. Avisos de bailes eram pregados nela, também os temas das missas, os obituários e qualquer outra informação relevante à comunidade.
Com o passar do tempo, apenas os obituários continuaram a ser pregados no Pau da Missa, o que, aliado aos inúmeros pregos enferrujados apodrecendo em seu tronco, dava a essa árvore um ar fúnebre como nenhuma outra no povoado.
Após saborear tudo na vila baixa, inclusive o Pau da Missa, a neblina subiu pela passarela, sem o medo mundano de sofrer qualquer acidente, e começou a se espalhar pela parte alta. Percorrendo vielas e becos, escalou o morro até seu cume.
Por fim, cercou a igreja, envolvendo-a lentamente como se degustasse uma sobremesa. Com o último vestígio da torre do sino encoberto, parou. Nada mais faltava para ser consumido.
E, assim, deitada sobre o vilarejo, pareceu adormecer.

II - Maria do Rosário

A beata Maria do Rosário, assim chamada por andar sempre pelo povoado com seu rosário de orações em mãos, olhava assustada pela janela da igreja para as muralhas brancas que se erguiam do lado de fora.
Ela conhecia bem aquela neblina, tinha certeza que algo muito ruim vivia nela. Ela própria já vira a sombra negra a perseguindo em dias nebulosos como aquele, no mesmo dia em que o marido morrera nos trilhos. “Um acidente!” Eles disseram. Mas ela sabia que ele havia sido empurrado pela mesma sombra que a perseguira.
Também o Padre Vito, santo homem, tinha sido encontrado morto após uma noite de nevoeiro, quando inspecionava o terreno onde seria realizada a quermesse da vila. Novamente, só um acidente! Quantos mais seriam necessários para que acreditassem nela.
Fosse o que fosse aquela força maligna, ela estava atrás dos devotos de Nossa Senhora, por isso sempre vinha em seu encalço, afinal, devota mais fiel que ela não havia em todo o vilarejo.
Aquilo devia ser alguma maldição lançada por aqueles ingleses pagãos. Pelo menos esse negócio de névoa era comum na terra deles, e eles não gostavam da Virgem Maria, isso tinham deixado bem claro muitas vezes. Acreditavam em Deus de uma forma tão fria que era quase como se não acreditassem. Não seria difícil que tivessem amaldiçoado o vilarejo e ido embora.
Sentia falta do Padre Vito, ele teria acreditado nela. Esse garoto, Padre Lúcio, que haviam colocado no lugar dele, falava sempre a mesma coisa. "Isso é tolice, Dona Maria!" Tudo para ele era tolice.
Seu jeito a irritava profundamente. Mesmo assim o esperava para que ele a acompanhasse até a parte baixa do vilarejo, onde ela morava, pois tinha medo de seguir sozinha.
Aproveitou a demora do padre para realizar mais algumas preces, uns Pai Nossos e muitas Ave Marias, tudo muito bem contabilizado nas contas do rosário em suas mãos como se fosse um ábaco.
Estava tão concentrada que nem viu quando o padre saiu da sacristia e se aproximou dela.
- Ainda aqui Dona Maria?
A beata deu um pulo, o Padre Lúcio se desculpou por tê-la assustado.
- Estou esperando o senhor, padre. Já que disse que tem que fazer uma visita lá na vila baixa, achei que talvez fosse melhor irmos juntos. Com essa neblina não é muito seguro andar sozinho pelas ruas!
O jovem padre sorriu sem jeito para a mulher supersticiosa a sua frente.
- Isso é tolice, Dona Maria!
O rosto da beata enrubesceu. O Padre Lúcio ajeitou a longa batina preta que vestia, tirou fios de cabelo imaginários de sua manga, continuando a falar em tom mais grave, de quem está acostumado a pregar sermões.
- Já disse que não há nada demais na neblina, além do mais, tenho que fechar a igreja ainda e resolver alguns problemas pendentes. Vou demorar um pouco, é melhor a senhora ir antes que escureça.
Se não fosse aquele irritante "Isso é tolice, Dona Maria!" a beata teria insistido, e mais, teria convencido o padre a escoltá-la até sua casa, pois não era mulher de aceitar "não" como resposta. Mas o jargão lhe era tão indigesto que preferiu mesmo ir embora sozinha.
Perdido no fundo da alma de Maria do Rosário estava até um desejo obscuro de que lhe acontecesse algo de ruim enquanto voltasse para casa, apenas para que aquele padreco se remoesse de culpa.
Esse desejo secreto passou rápido, tão logo a mulher pôs os pés fora da igreja e se viu envolta pelas sombras brancas que haviam tomado todo o povoado. Só queria chegar em casa, sã e salva. Logo!
Deu mais uma volta com o cachecol em seu pescoço, fez o sinal da cruz e se lançou neblina adentro.
As casas da vila alta haviam sido transformadas em borrões, cuja mente da beata tratava de dar contornos para tentar se localizar. Desceu, dobrou, cruzou, desceu de novo, subiu. E, quando pensou que já estava próxima da passarela, deu de frente com a igreja de onde saíra.
Ainda mais insegura do que na primeira vez, Maria do Rosário tornou a descer a ladeira que deveria levá-la rumo à precária passagem, desta vez tateando as paredes e muros pelo caminho, lentamente, parecia procurar instruções em braile que a tirassem dali.
"Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós..." E sussurrando para si mesma a reza, sempre com seu rosário nas mãos, ia passo a passo avançando através da névoa espessa. Ouvia o ritmo solitário de seus passos ligando em harmonia seu medo com aquele cenário sinistro em que se via perdida.
Ao chegar num cruzamento de vielas, parou. Não reconhecia o local, também pudera, tudo estava reduzido a borrões a sua volta.
Sim, parou! Mas continuou ouvindo os passos! Olhou para trás procurando a origem daquele som, de onde vinha, já que não pertenciam ao contato de seus sapatos com o chão.
O compasso parou assim que ela se virou. Podia jurar ter visto um vulto negro se escondendo atrás de um dos muros por onde passara alguns segundos antes.
Começou a ouvir o compasso de novo. Desta vez era seu coração batendo acelerado, sincronizou-o com suas passadas e, quase correndo, continuou a descer a ladeira.
Uma das voltas do cachecol se soltou. A beata, sem parar, jogou-o nas costas. Queria ir mais depressa, mas a idade não ajudava. Estava ofegante.
"Ave Maria! Cheia de graça..." A prece entregava o caminho nas mãos de Nossa Senhora, que não a desapontou. Foi com alívio que finalmente chegou à passarela. Na vila baixa não havia como se perder, estava salva.
"... o Senhor é convosco..." Já estava na metade do caminho de madeira quando sentiu um tranco em seu pescoço, algo querendo enforcá-la. Era o cachecol que mais uma vez havia se desenrolado e se enroscado em uma das tábuas soltas da passarela. Quanto mais a beata puxava, mais ele parecia se prender na madeira empenada.
"... bendita sois vós entre as mulheres..." Se ajoelhou no chão para soltar o cachecol. Na ponta da passarela o vulto negro reapareceu, o coração da beata quase parou! De repente o vulto se agachou, assumindo a mesma posição que gárgulas de pedra no topo das construções. Maria do Rosário soube que ele se preparava para o ataque e só fez continuar...
"... bendito é o fruto do vosso ventre..." A sombra partiu em sua direção, rasgando a neblina que parecia se abrir para sua passagem. A mulher apertou o rosário. Sentiu-o estourar em suas mãos, as contas se espalharem pelo chão, mas ela não parou de rezar, era isso que ele queria, o gárgula, tentava fazer com que a Virgem Maria não fosse invocada, mas ela não desistiria, não precisava de rosário para suas preces.
Fechou os olhos, com as mãos juntas recomeçou a oração em voz alta, seu desespero era tão intenso que cuspiu as palavras sem pausas nem mesmo para respirar.
- AvemariacheiadegraçasoSenhoréconvoscobenditasoisvósentreasmulh
eresbenditoéofrutodovossoventre...
Era tão intenso o clamor que a beata sentiu como se tivesse deixado o próprio corpo.
Quando abriu os olhos já estava escuro. Não sabia quanto tempo se passara, mas o que importava é que não havia mais nenhum sinal do gárgula negro. Baixinho, continuou suas preces, desta vez em agradecimento à santa. Soltou o cachecol e apressou o passo para chegar logo em casa.
Passou pelo Pau da Missa sentindo um calafrio na espinha. Só a idéia de ter seu nome pregado ali, como fora com seu pobre marido, era suficiente para lhe causar arrepios.
Detestava aquela árvore velha e podre. O pior de tudo era que a janela de sua casa, no final daquela rua, a emoldurava ao fundo como se fosse um quadro triste de algum desses pintores suicidas.
Entrou em casa, jogou o cachecol traidor em um canto, acendeu uma vela aos pés da santa e, após trocar de roupa, foi se deitar. Sem o rosário era difícil calcular, então rezou, rezou, rezou. Até que adormeceu.
A manhã veio disposta e varreu com raios solares a neblina indesejada de seus domínios.
Aos poucos os moradores do vilarejo foram ganhando a rua, se lançando a suas tarefas diárias e dando continuidade a vida.
A casa de Maria do Rosário, no entanto, permaneceu fechada até quase a hora do almoço, a beata não tinha o costume de se levantar tão tarde, mas o dia anterior fora tenso de tal maneira que havia acabado por lhe afetar o sono.
Com uma fisionomia cansada, levantou de sua cama e vagarosamente se dirigiu até a janela, convidando o sol a entrar na residência.
Os olhos doeram e se ofuscaram com o jorro de claridade, mas assim que a velha prostrada na janela com as mãos enrugadas a cobrirem protetoramente o rosto percebeu o burburinho de pessoas ao redor do Pau da Missa, todo o cansaço e todo o desconforto com a claridade desapareceram, dando lugar a uma lufada de ânimo e curiosidade de saber o que teria acontecido.
Em passo rápido percorreu a rua, abriu caminho entre as pessoas aglomeradas e começou a ler a mensagem pregada no tronco carcomido da árvore.
"Pobre padre!" Pensou consigo, num misto de pena e deleite. "Mais um acidente, quantos mais até que acreditem em mim? Se o padre Lúcio tivesse me ouvido e me acompanhado, nada disso teria acontecido."
E olhando para o novo rosário em suas mãos, a beata concluiu seus pensamentos.
"Com certeza a Virgem Maria o teria protegido!"
Mas agora era tarde, pois o padre Lúcio estava morto!

III - Padre Lúcio

Quando saiu de dentro da sacristia, o Padre Lúcio se surpreendeu ao ver a beata Maria ainda ali. Todos já haviam ido embora da igreja, de volta para suas casas, mas ela continuava lá, rezando!
No seminário tinha ouvido falar que em vilarejos remotos como aquele havia fiéis que beiravam o fanatismo, mas aquela senhora era demais.
Não apenas pelo seu jeito autoritário, querendo mandar nele mais que o próprio cardeal, nem pela forma prepotente como julgava ter sempre a razão sobre tudo. Na opinião daquele jovem padre, aquela beata era mesmo maluca. Vivia expondo suas idéias hereges sobre demônios e sombras vivas que matavam os devotos da cidade.
Se não fosse um homem de Deus, diria que não gostava dela, mas na posição que ocupava devia saber perdoar e tentar expiar seus pecados.
- Ainda aqui Dona Maria?
Um sorriso de satisfação ameaçou brotar no rosto do padre com o susto que a mulher levara, mas foi contido por pedidos de desculpa.
- Estou esperando o senhor, padre. Já que disse que tem que fazer uma visita lá na vila baixa, achei que talvez fosse melhor irmos juntos. Com essa neblina não é muito seguro andar sozinho pelas ruas!
- Isso é tolice, Dona Maria! Já disse que não há nada demais na neblina, além do mais, tenho que fechar a igreja ainda e resolver alguns problemas pendentes. Vou demorar um pouco, é melhor a senhora ir antes que escureça.
Assim que a beata transpôs o pórtico de saída, o jovem padre se sentou em um dos compridos bancos de madeira envernizada do salão da igreja, soltando um pesado suspiro de alívio.
Era mentira, não tinha nada para resolver ali e fechar a igreja não demoraria mais do que alguns minutos. Mas a simples idéia de ter que aguentar aquela velha até a parte baixa da cidade lhe era insuportável, preferia pagar penitência por seu pecado do que acompanhá-la.
Ajeitou a longa batina preta nas pernas e permaneceu sentado, tamborilando com os dedos em seus joelhos, cerca de quinze minutos.
- Acho que já deu!
E saiu sem olhar para a cruz sobre o altar cujo Cristo pregado nela parecia encará-lo, reprovando suas ações.
Desceu a ladeira em meio à densa neblina, percebendo que, apesar do pouco tempo que se estabelecera no vilarejo, já havia decorado os caminhos bem o suficiente para não se perder, nem mesmo em tardes nebulosas como aquela.
Ao se aproximar de um cruzamento de vielas, ponto crucial daquele labirinto urbano, ouviu uma reza muito baixa ser entoada. Quando finalmente conseguiu ligar a voz a pessoa, deu um pulo para trás do muro que acabara de passar.
"Não acredito que essa mulher ainda está aqui." Falava de Dona Maria que se encontrava parada na esquina do outro lado da rua. "A essa altura já deveria estar em sua casa."
Espiou pela lateral do muro. A beata não estava mais lá, devia ter continuado seu caminho. E ele faria o mesmo, só que num passo bem mais lento.
Sem pressa, chegou a ponta da passarela, onde novamente viu Maria do Rosário parada, rezando.
Instintivamente Padre Lúcio se agachou, fingindo amarrar seus sapatos.
"Mas o que é que eu estou fazendo, afinal?" Perguntou-se o jovem padre. "Isso não é jeito de um servo de Deus se comportar!"
Enquanto se levantava, o clérigo percebeu que algo estava errado. A voz da beata era de desespero e nem mesmo nexo havia no murmúrio que balbuciava.
Deixou de lado seus caprichos pessoais e correu para acudir a senhora naquela passarela.
Inesperadamente o jovem foi atacado pela mulher ao se aproximar. Maria estava fora de si, era como um animal que, ao ser acuado, ataca com toda sua selvageria.
O padre tentava contê-la, sem resultado. Ao dar um passo para trás, seu pé escorregou nas contas do rosário espalhadas pelo piso de madeira. Lúcio foi projetado de costas contra o corrimão da passarela, que, podre, não suportou o impacto e se partiu.
O Padre Lúcio foi, então, desaparecendo aos poucos dentro da neblina sob a passarela de madeira, onde a beata continuou em seu estranho transe até escurecer. E, assim como no dia em que esperava o marido buscá-la na estação de trem, e a noite em que o Padre Vito deveria encontrá-la para olharem juntos o terreno onde seria realizada a quermesse do vilarejo, quando voltou a si, não se lembrava de nada que havia acontecido.
Pobre padre, se tivesse descido com ela... Mas agora era tarde, padre Lúcio estava morto!