sábado, 27 de junho de 2009

Espelho D'água

A represa reluzia, refletindo o brilho intenso do sol que, em aproximadamente uma hora, já estaria escondido atrás das colinas no horizonte distante.
Sobre a superfície prateada da água, era possível ver ao longe um objeto redondo, negro pelo contraste junto ao espelho d’água.
Era fácil deduzir tratar-se de uma bóia de sinalização, pela forma como a esfera de cor indefinida acompanhava para cima e para baixo a respiração suave da represa.
A paisagem era bucólica, seria normal que qualquer observador adormecesse olhando para ela, mas os olhares, dos três garotos sentados a beira da água, estavam longe de serem absortos pelo espetáculo da natureza a sua frente.
Como três caçadores, olhavam fixamente para a bóia, vagueando vez ou outra a vista pela água em torno dela.
Nenhum ruído ou palavra eram emitidos por eles, o silêncio era quebrado apenas pelo som da água batendo na margem argilosa, o toque do vento na copa das árvores do bosque ao redor e o barulho distante dos carros em alta velocidade em uma estrada a muitos quilômetros dali.
A maioria das pessoas não entenderia o significado daquela bóia, mas para aqueles três garotos, assim como para qualquer outro garoto que more em regiões banhadas por represas, o significado era óbvio, fazia parte de suas vidas, de seu dia-a-dia.
Os três já deveriam ter ido para casa há muito tempo, mas a companhia mútua, mesmo que silenciosa, servira de motivação em sua vigília.
No inicio era apenas curiosidade que os mantinha alí, mas agora tornara-se um jogo mórbido, compreensível apenas pela crueldade inocente que é comum às crianças naquela idade. Arrancam as asas de moscas, colocam sal sobre lesmas, atiram pedras em pássaros... Mas não por serem verdadeiramente más, apenas não compreendem direito o valor da vida pois, suas próprias, ainda não lhes pesaram sobre os ombros da maturidade.
Um segundo ponto negro surgiu próximo a bóia. O primeiro a vê-lo foi o garoto da esquerda que, de olhos semi-serrados, ficou fitando a massa disforme com certa dúvida se era aquilo mesmo que procurava, insegurança que lhe custou o “jogo” pois, no mesmo instante em que avistou aquele ponto, o garoto do meio não exitou em levantar-se e sair correndo barranco acima, gritando:
__ Subiu! Subiu! Subiu!
E a repetição de tal palavra surtiu o efeito de uma invocação vodu, transformando a paisagem bucólica num cenário caótico de sirenes, vozes e multidão curiosa.
Os olhares das pessoas ficavam divididos entre o pequeno barco a remo, que se dirigia sem pressa até onde a bóia estava localizada, e o pranto desesperado de uma mulher parada ao lado do caminhão vermelho dos bombeiros.
Colocando as mãos sobre o rosto molhado de lágrimas, tentava não acreditar no que acontecia.
O oficial responsável por aquela operação de resgate se aproximou da pobre senhora, mantendo, é lógico, certa distância, e começou a declamar energicamente:
__Eu não lhe disse? Minha Senhora! Que não havia necessidade de mergulharmos para encontrar o corpo. Que assim que as veias e os órgãos se rompessem no interior da vítima, a variação de densidade faria com que emergisse. Só tivemos que marcar o local aproximado do afogamento!
E apontou para a bóia, a qual o barco a remo aproximava-se cada vez mais.
Os três garotos achavam incrível a forma como aquele bombeiro conseguia ser frio e racional em meio ‘aquela tragédia.
A mulher apenas chorava!
__ Sabe por que essas coisas acontecem?
Continuou o oficial.
__ Acontecem porque os jovens vem até a beira da represa para fazer suas festinhas, daí enchem a cara de cachaça e, para se mostrar, tentam atravessar a represa a nado pensando que é a mesma coisa que atravessar aqueles açudes com que estavam acostumados lá no nordeste.
Um momento de silêncio do oficial, como quem concede o direito de resposta a um acusado. Resposta que veio na forma de mais lágrimas e soluços.
O barco chegava finalmente até seu destino, após poucos segundos de análise o barqueiro levantou o braço, esse era o sinal, estava confirmado, era mesmo o corpo de uma pessoa.
A pobre mulher começou a debater-se em histeria. Teve de ser apartada pelas pessoas ao seu redor, desconhecidos que, como insetos, haviam sido atraídos pelas luzes coloridas da tragédia, mas que agora mostravam sua faceta humana, tentando apaziguar a dor de uma mãe.
Nosso valente oficial preferiu se afastar daquela senhora, não gostava de se envolver, virou de costas para a dor e toda a aflição que a acompanhava, preferindo encarar o morto, sereno e tranquilo, flutuando calmamente dentro daquelas águas onde o barqueiro preparava-se para reboca-lo. Ele tirou de dentro da embarcação uma corda e a amarrou em uma das pernas do afogado.Começou então a puxa-lo lentamente, os remos ganhavam a água quase sem sair de dentro dela. Era um trabalho meticuloso que não podia ser feito com pressa, muitos corpos tinham a tendência de se desmancharem quando rebocados muito rapidamente.
"E esse já está de molho há três dias'' Pensou o barqueiro. "A carne já deve estaqr se soltando dos ossos".
Um silêncio estéril reinou na peregrinação do barco até a margem, os flashes de sol rebatendo na água ondulada eram como lenços sendo abanados para a despedida de mais um passageiro de Caronte em sua travessia final.
O Bombeiro se aproximou do corpo levando pelo braço a angustiada senhora que mal se agüentava em pé e perguntou:
__ E então minha senhora! É o seu filho?
O corpo estava inchado, como se fosse explodir a qualquer momento, o tom da pele era de um roxo desbotado, esverdeado em algumas extremidades.
A mulher, olhando para aquele ser inumano, negou entre soluços:
__ Esse não é meu filho! Ele não é assim! Não é assim!!!
Mas o oficial sabia que era o filho dela, que poder era aquele que a água tinha de impedir que uma mãe reconhecesse o próprio filho! Não sabia!
Ordenou que o rapaz fosse removido da água com cuidado.
Seu serviço estava concluído, no necrotério a mulher reconheceria o filho através de alguma marca ou sinal pelo corpo.
Os bombeiros e suas sirenes se foram, junto deles, mãe e filho, mas os três garotos a beira da represa permaneceram imóveis, ficariam um pouco mais, afinal, a multidão ainda era numerosa e o fim de tarde estava quente.
Quem sabe mais alguém não resolvia banhar-se naquelas águas traiçoeiras e, se dessem sorte, talvez... Quem Sabe!?

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Pródigo

Gosto dos relógios de ponteiro, neles o tempo parece mais real, mais palpável em seu movimento contínuo de horas, minutos e segundos. Não olho para ele, o deixo pendurado na parede atrás de mim. Prefiro apenas ouvir o tic-tac, o dia todo em minha mesa... Tic... Tac... Tic... Tac... Tic... Tac...
É quando sei que meu plantão está chegando ao fim, quando aquele compasso sutil dos ponteiros se torna ensurdecedor aos meus ouvidos, nem preciso olhar para confirmar a hora.
Os investigadores sempre me perguntam por que não o coloco num lugar onde possa ver, nunca respondo, não devo satisfação a eles, e sim eles a mim. Mas a verdade é que ver os ponteiros me dá a sensação de que à hora nunca passa, Já o tic-tac, esse nunca para.
Tenho passado mais tempo na delegacia do que em casa, ser delegado em uma cidade como São Paulo não e fácil. Enquanto isso o tempo e minha vida vão indo embora.
Meu filho, aquele garotinho que parece ter nascido ontem, já está se preparando para a faculdade, vai prestar vestibular.
Ele é estudioso, mas anda muito preocupado nos últimos dias. O vestibular é uma época de muita pressão para os jovens, preciso arrumar mais tempo para ele. Mas quem tem me preocupado mesmo é minha esposa, já faz meses que não sei o que é chegar em casa e vê-la acordada, espero que ela não esteja exagerando nos calmantes como eu tenho feito para agüentar meus plantões sem explodir, 100 mg de Prosac rebatidos com dois maços de cigarros e algumas doses de café, eventualmente algum uísque também. Preciso de férias!
A pressão de uma delegacia pode deixar qualquer delegado louco. São pastas e mais pastas. Casos em aberto que vão se acumulando nos arquivos, nas estantes, sobre minha mesa e até no chão, pelos cantos da sala. Parecem querer me sufocar.
É inútil tentar acompanhar o ritmo, já desisti de querer ser o super delegado, tentando resolver todos os crimes e salvar o mundo, fazer isso só aumenta o estresse.
Na cela provisória, projetada para quatro pessoas, já tem mais de vinte. Todos os presos reclamando de dor de dente, de barriga, unha encravada... Qualquer enfermidade que possa fazer com que sejam deslocados até um pronto socorro, dando assim alguma chance de fuga para eles.
Ao contrário do que se pensa, não há muitos policiais dentro de um DP, geralmente são apenas delegado, dois investigadores e um escrivão, todo o resto são policiais militares em trânsito.
Ficamos então com quatro pessoas para cuidar de mais de vinte, resolver os casos e ainda atender os boletins de ocorrência.
Como um preso ou outro está sempre sendo levado para um hospital, acabo ficando com um investigador a menos, que tem que dar uma de babá de marginal fujão.
O pior é que se nos recusamos a atendê-los, viramos alvo fácil dos famosos advogados de porta de cadeia e seus direitos humanos, gostaria que os direitos humanos fossem para os humanos direitos, mas infelizmente não é assim que funciona.
Na recepção do DP o povo vai se acumulando com seus dramas diários. O mais comum são os roubos a veículos. É sempre a mesma história, o cidadão entra ofegante querendo dar queixa do fato. Dizemos então para ele ligar para o um nove zero, daí ele fica olhando com cara de "Mas aqui não é a polícia!"
O que ele não entende é que a civil faz a investigação dos casos, ronda ostensiva é com a militar.
Outro problema, esse mais complicado, são os atentados. Facções criminosas disparando tiros na delegacia, na polícia e em qualquer coisa que esteja no caminho. Já foi o tempo em que morar perto de um distrito era garantia de segurança. Hoje em dia residir nessas áreas é um péssimo negócio.
Já quase fui premiado com uma medalha de chumbo no peito no último atentado, foi por pouco!
Como se tudo isso não bastasse, há ainda a corregedoria, a polícia da polícia, com a diferença que para nós não existem direitos humanos. Conseguem ser piores do que as facções criminosas.
Nunca sabemos quando vão atacar aparecendo de surpresa para uma inspeção, tentando achar pêlo em ovo nos relatórios, nos procedimentos ou qualquer outra coisa que possa ser convertida em suspensões, afastamentos e ficha suja, o que acaba com a chance de qualquer delegado que queira se tornar promotor algum dia, ou pelo menos se tornar o titular de alguma delegacia decente.
Sentado em minha mesa, fico pensando em tudo isso, embalado pelo ribombar nauseante dos ponteiros.
O telefone toca, apago o cigarro que acabei de acender. Só então noto que ando fumando demais, o cinzeiro está transbordando de bitucas.
___ Alô!
O escrevente me passa um caso que acaba de ser apresentado pela polícia militar, aparentemente um suicídio. Bairro bom, família boa, classe média e sem ficha. Não tem como escapar, vou ter que ir até o local.
Geralmente prefiro ficar na rua, ao menos não tenho que ficar preocupado com a corregedoria entrando pela porta do distrito policial para me falar do caos em que se encontra meu DP, como se eu não soubesse.
Depois que os bingos foram fechados, as delegacias mais parecem depósitos de máquinas caça-níquel. Mal dá para se mexer sem derrubar alguma coisa.
Por isso prefiro a rua. O problema é que já está quase na hora da troca de turno, se este caso estiver enrolado não saio tão cedo de meu plantão.
No caminho até o local torço para que seja realmente um suicídio, com bilhete e indícios óbvios. Se assim for, é rápido, do contrário...
Chego ao endereço que me foi passado. Classe média alta. Em frente, duas viaturas da militar paradas, pintando de tragédia a fachada com suas sirenes vermelhas.
Nem bem desço do carro e o tenente que está com a ocorrência se aproxima com saudações e reverências, delegados são sempre bajulados, afinal, os pm's sempre querem que o boletim de ocorrência e a perícia sejam feitos rápido para que o corpo possa ser retirado e não precisem passar a noite toda guardando a cena de crime, babás de defunto.
Tudo é interesse, não da população, são sempre pessoais.
___É o seguinte doutor...
O tenente me põe a par dos fatos.
O falecido (Jeferson, 17) teria ficado em casa para estudar para provas vestibulares, enquanto sua família (Pai, 47, Madrasta, 36-a mãe já morreu- e o meio irmão, 10) foi viajar. Isso na quinta de manhã. Hoje, domingo, por volta das 18 h, eles retornaram e encontraram o garoto morto em seu quarto, acionaram imediatamente serviços médico e policial.
Deixo o oficial falando sozinho, por hora é tudo que preciso saber.
Entro na casa, um leve cheiro azedo paira no ar da sala de estar, conheço esse odor, é o aroma da morte.
No sofá um homem está abraçado com uma mulher, ambos chorando. Com certeza os pais. Olho em volta a procura do meio irmão, não o vejo, pergunto por ele, foi levado para a casa de algum parente. Ainda bem, muitas vezes a família em choque se esquece das crianças e quando vamos ver estão tentando acordar o parente morto.
Peço para o oficial me levar até o quarto do garoto. Quando entramos na cozinha, o cheiro de podridão está bem mais forte. O corpo não deve estar nada bom, fez muito calor nos últimos dias e o corpo já estava a quatro apodrecendo, o quarto devia estar todo fechado e, por conseqüência, abafado. Pelo menos esse é o costume dos suicidas, o isolamento. Tiro o vidro de vick do bolso. Sempre ando com um para esses casos. Passo a pomada no nariz, mas sou advertido por um soldado que só isso não será suficiente para abafar o cheiro.
___Vou trazer um pano molhado para o senhor!
Enquanto espero a volta do soldado vejo escritos na geladeira branca que parecem ter sido feitos pelo morto com batom.
"Não deixem o Bruno ir ao meu quarto!"
Bruno devia ser o meio irmão, um último sinal de carinho para evitar o trauma na criança. O mesmo não é feito com relação aos pais. Provavelmente se trata da velha história do filho revoltado.
O pano chega, cubro o rosto e continuo seguindo o tenente.
Atravessamos a área de serviço, lavanderia, um amplo quintal gramado com alguma vegetação e, finalmente, ao fundo do quintal o quarto do garoto.
Minhas suspeitas são confirmadas por aquele dormitório improvisado, que antes devia ser um depósito de ferramentas de jardinagem. Jeferson procurou o lugar mais distante dentro da própria casa para viver, ali ficaria o mais longe possível do resto de sua família. Era um desajustado, muito provável que fosse introvertido e talvez até usasse drogas que o deixassem deprimido, acabando por levá-lo ao suicídio.
Os pais deviam ter achado que aquele jeito estranho do rapaz era normal para a idade, que o garoto só queria um pouco de espaço. Há muitos pais cegos nesse mundo!
Antes de entrar no quarto reparo na tranca da porta, arrombada, isso é bom, significa que estava fechada por dentro, mais uma evidencia de suicídio. Parece que vou embora cedo hoje!
Entro. A situação é pior do que eu imaginava, o teto do dormitório-depósito é direto nas telhas, durante o dia, com o sol batendo, deve se transformar num forno já que o local é pequeno e sem arejamento de ar, mesmo com o pano úmido é difícil respirar lá dentro.
O corpo esta em cima da cama, negro, inchado e cheio de vermes transitando pelo buraco de bala no que parece ser a cabeça do infeliz. Conheço esse tipo de inchaço, é daqueles que explodem quando removidos. Eu que não quero estar perto quando isso acontecer!
A arma está caída ao lado da cama, um revolver calibre trinta e oito. Jeferson escolheu bem a arma, eu mesmo tenho um revólver igual aquele em casa, de impacto, onde a bala bate estilhaça, a chance de sobreviver e muito pouca. Diferente de outras como a nove mm que é de perfuração, atravessa até colete a prova de balas, mas muitas vezes não mata, conhecí um cara que deu um tiro no ouvido que saiu pelo outro lado e não morreu!
___ O pai não faz idéia de onde ele a conseguiu.
O tenente me diz que a arma não é do pai, mando recolhê-la para a perícia, já que a numeração está intacta.
Começamos a procurar o bilhete, suicidas adoram deixar um, na verdade o que querem é atenção e o suicídio é o ato derradeiro para consegui-la.
Se os pais tivessem prestado um pouco mais de atenção, se importado um pouco mais! Mas o garoto devia lembrar ao pai de sua falecida esposa, e a madrasta, ora! Não era filho dela, porque ela se preocuparia? Já tinha seu próprio rebento para cuidar!
Espalhadas pelo chão, apostilas. O mesmo cursinho preparatório que meu filho. Podia ser meu garoto naquela cama! Afugento esses pensamentos tolos de minha cabeça, dei uma educação diferente para meu filho, não deixo com que ele se sinta um estranho dentro da própria casa, mais do que pai e filho, somos amigos. Nos conhecemos.
___Aqui doutor!
O tenente encontra o bilhete e me entrega. A mesma história de sempre. Ninguém me ama! Ninguém me quer! E blá blá blá! O importante e que vou poder ir embora. Como é declaradamente um caso de suicídio o delegado titular pode assumir quando chegar sem problemas, não há pressa, a investigação está praticamente encerrada.
Vou embora ao mesmo tempo que a perícia. No meio do caminho decido não voltar até o distrito, vou embora para casa direto, já vim com meu carro pensando nessa possibilidade.
Após estacionar, tiro a roupa que visto e a deixo no chão da garagem, está impregnada com aquele cheiro fétido. Continuo a sentir o odor grudado em minha pele.
Tomo uma ducha e me sinto mais aliviado. Passo rapidamente pelo quarto de meu filho. Está dormindo, fecho a porta silenciosamente e vou para cama. Como imaginava. Minha mulher já está dormindo também. Cheiro o copo vazio sobre o criado-mudo, lexotan! Amanhã preciso ter uma conversa séria com ela.
Apesar do cansaço não consigo pegar no sono, é estranho como, mesmo estando há quase trinta anos nessa profissão, alguns casos continuam a nos afetar.
Debato-me na cama e, meio acordado, meio dormindo, entro num misto de tormento e pesadelo a me trazerem de volta cenas e pensamentos do meu dia.
"O garoto escolheu bem o revolver (...) eu mesmo tenho um igual aquele." "O mesmo cursinho que meu filho." "Meu filho (...) anda preocupado nos últimos dias."
De repente o quebra-cabeça se encaixa. Dou um salto da cama e abro o guarda-roupa. Tiro uma caixa de madeira de dentro e levanto sua tampa.
Como pensava, vazia!
Não sei como não percebi, provavelmente o cansaço e a pressa de ir embora.
Aos tapas e berros tiro meu filho da cama.
___ Como pôde?
Demora um pouco, mas ele acaba entendendo do que se trata, fica surpreso com o suicídio do amigo.
___Eu não sabia! Juro!
A explicação dele é de que, quando o amigo lhe pediu uma arma emprestada, ele não sabia que era para aquilo. Como se isso fosse desculpa. Se tivesse usado para matar outra pessoa seria pior ainda.
Sinto-me enjoado, o peito pesado, a pulsação parece ter ido a cem quilômetros por hora. Desnorteado, saio do quarto daquele irresponsável e vou direto até a gaveta de remédios da minha esposa. Tomo um de seus comprimidos para me acalmar. Sento-me na ponta de minha cama com as mãos na cabeça e começo a pensar em tudo que aconteceu e no que devo fazer. A primeira coisa é chamar meu advogado. Ainda bem que meu filho é menor de idade, no máximo serviço comunitário para ele.
Fui um tolo, talvez nossos filhos sempre nos sejam estranhos. Mas isso não tem importância agora, terei muito tempo para passar com ele e conhecê-lo melhor, afinal, é apenas uma questão de tempo até a perícia levantar a numeração do revólver e passar o caso para a corregedoria.
Não eram as férias que eu imaginava, mas...

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Teatro do Absurdo

A TV ligada enquanto trabalhava era de praxe, mal prestava atenção a ela. Foi só quando ouviu o nome do amigo que largou o pincel de lado e pôs- se a assistir ao telejornal.

"... ele, um senhor já idoso, é considerado o maior contrabandista do mundo."
"Foi preso no fim da noite do dia 24 em posse da mercadoria ilegal, que, segundo os federais, já estava pronta para ser distribuída por toda a cidade durante a madrugada."
"Aquí ao meu lado está o delegado responsável pela operação, batizada como Boneco de neve, Doutor Pedro Lobo."
"Além de contrabando, por quais outros crimes o suspeito deve responder Doutor?"

"Bom dia Cristina! Bom, a lista é grande: Sonegação de impostos; Invasão de domicílio; Falsidade ideológica (pois descobrimos que o preso possuia um nome para cada país onde atuava, ou seja, EUA, Alemanha, Brasil, Finlânlia, Inglaterra...); Posse ilegal de animais silvestres (nós encontramos uma espécie de servo na fábrica onde os produtos eram confeccionados.); Trabalho escravo e cárcere privado (pois os funcionários da fábrica eram forçados a dormirem no estabelecimento e trabalharem sem receber sequer salários.); E por último, mas não menos importante, estamos levantando provas para indiciá- lo por pedofilia, já temos dezenas de fotos do suspeitos com crianças das mais variadas idades em seu colo."

"E como ele fazia para atrair essas vítimas, Doutor?"

"Utilizava doces e brinquedos como artifício, Cristina!"

"Obrigado Doutor! Eu sou Cristina Novaes, direto da sede da Polícia Federal, para o Jornal..."

O coelho desligou a TV e pensou aborrecido.

"Pobre Noel!"

Pegou de volta o pincel e continuou pintando seus ovos.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cooper

(para Cuca)

Adoro essa atividade. No início da semana passada voltei a pratica- la. Nos bons tempos corria sete quilômetros, hoje, me contento com meus míseros três.
Ah! Os bons tempos!
Lembro das conversas que tinha com minha namorada nessa época sobre nossas formas de encarar essa atividade. Uma delas específicamente tornou- se referência quanto a nossa maneira de encarar nossa relação.
Ela dizia que eu (para praticar o Cooper) simplesmente saía correndo e, com o tempo, ia me adaptando as necessidades do exercício. Já ela, por outro lado, preferia primeiro se informar sobre o assunto, começar andando e só então correr.
Estilos diferentes de personalidades que, aliado a alguns erros, culminaram em nossa separação.
Eu achava que meu ritmo forte era o ideal, mas pesquisando sobre o assunto descobrí que o cooper recebeu este nome em homenagem a seu maior defensor, o médico norte americano, Dr. Kenneth Cooper, que acreditava que essa atividade era mais benéfica a saúde do que a corrida por não causar tanto desgaste ao corpo. O objetivo não é nenhuma linha de chegada ou pódio, mas sim manter o ritmo de forma saudável e sem exageros.
Não o fim do trajeto, mas o próprio trajeto é que importa.
É assim no cooper, é assim na vida também!
Hoje, quando olhei para o lado enquanto corria, não havia ninguém lá! Me arrependí de não ter "andado" um pouco mais ao lado de minha namorada, afinal, era muito mais fácil eu acompanhar o passo dela, do que ela acompanhar minha corrida.
Mesmo andando, sentia prazer de estar em sua companhia. Agora, só tenho a endorfina e meus calos.

domingo, 21 de junho de 2009

Vox Populi

Socos e chutes.
A cena era dantesca, quase bíblica. A “justiça” sendo feita a paus e pedras, mas aqui não havia messias algum para acalmar a cólera nos corações de ninguém.
Socos e chutes desferidos desordenadamente pelos mais de trinta rostos insandecidos aglomerados como abóboda sobre o garoto… “Garoto não!” interpelariam os revoltos, se suas atenções não estivessem completamente voltadas para a demonstração de ódio e indignação que ocorria naquele terreno baldio. E continuariam.
“Tem que ser um animal para fazer uma coisa dessas!”
Socos e chutes que atingiam o frágil corpo de quinze anos quebrando ossos e deformando a carne.
O espetáculo era tão excitante que o terreno tornou-se palco, a calçada, primeira fila, disputada a cotoveladas pelos moradores da rua.
“Garoto não! Tem que ser um animal para fazer uma coisa dessas!”
O que ele fez?
Esmagou a cabeça de uma menina de treze anos com uma pedra, assim como a sua era agora esmagada a punhos cerrados?!
“Tem que ser um animal pra fazer uma coisa dessas!”
Em pouco tempo, não era mais nem animal, apenas um corpo sem vida estirado ao chão. Ironicamente caído ao lado da menina que matara momentos antes.
Pareciam irmãos, seus rostos eram idênticos, massas deformadas de carne ensanguentada. Eram Adão e Eva, eram o fim da inocência.
Os mais de trinta ficaram lá, parados em clímax, olhando para o que haviam feito. Rapidamente foi jogado um lençol branco sobre os corpos, pois eles lembravam como nós, cidadãos de bem, homens trabalhadores e mulheres de família, podemos ser selvagens.
Os mais de trinta conversavam entre si e se tranquilizavam, em seu julgamento os fins justificavam os meios. O engraçado é que, visto que o resultado era o mesmo, uma menina e um garoto mortos, e os motivos que inspiraram cada um dos assassínios serem os meios, o garoto estava tão justificado quanto o júri carrasco, ou tão culpado!
Devíamos ter mais cuidado com nossos julgamentos. A história mostra que nunca fomos muito justos neles e, já que citamos a Bíblia, vamos lembrar do julgamento mais importante do texto sagrado, o realizado por Pôncios Pilatos.
Nele ficou claro que não temos o menor bom senso para decidirmos sobre o certo e o errado. Mas se somos péssimos para julgar, por outro lado somos especialistas em nos arrependermos. O mentor da humanidade! O arrependimento! Principal forma de aprendizado dos homens, tão importante que habita em nossa história, literatura, arte, religião… E habita também naquele lençol branco jogado sobre os corpos que, como o santo sudário, representa nossa vergonha, nosso arrependimento diante de nossas decisões, nosso desejo de encobrir nossos erros.
Se os mais de trinta estavam certos ou errados, não estou apto a julgar, também sou apenas um homem. Sei apenas que no final, todos sem exceção, tinham sangue em suas mãos, até mesmo aqueles que as lavaram, como Pôncios Pilatos!

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Leite Derramado

“… foi até a 25 de Março para…” Sônia, que concentrava-se para colocar o leite dentro da mamadeira sem derramar, esticou o pescoço fora da porta da cozinha para se certificar que não era ouvida pelo seu filho, o pequeno Samuel de um ano e oito meses, que brincava no quintal. “… para comprar o presente de Natal do Samuel!”
Faltava duas semanas para as festas natalinas, Josimar, marido de Sônia, havia acordado cedo e aproveitado o sábado de folga para resolver todas as pendências de fim de ano, presentes, dívidas e, é claro, confraternizações com os amigos.
“Até a hora do almoço ele já deve estar de volta. Porque você não espera e almoça com a gente?”
Dona Daguimar, que era com quem Sônia conversava, agradeceu o convite dizendo que infelizmente tinha compromisso, mas passaria outra hora.
A verdade é que Daguimar conhecia seu irmão Josimar bem o suficiente para saber que ele não chegaria para o almoço (talvez nem para a janta), o que renderia uma briga daquelas com a esposa. Coisa que Daguimar não estava interessada em presenciar.
“Droga!”
Era o leite. Apesar dos esforços da jovem mãe de vinte e cinco anos, ele acabara escorrendo, formando uma poça no chão da cozinha.
Samuel veio correndo do quintal e começou a esfregar o piso com um pano que tinha nas mãos. A mãe deu um berro.
“Não!”
O menino parou assustado, mas era tarde demais.
“Esse guardanapo estava limpinho, Samuel. Olha o que você fez com ele!”
O garoto se acocorou, triste pela bronca, num canto do quintal.
A tia sorriu, lembrou-se do irmão lhe dizendo.
“Aquele moleque fica tão grudado na barra da saia da Sônia que vai acabar ficando afeminado. Agora deu de querer ajudar a mãe a limpar a casa. Vê se pode, onde a Sônia vai, ele vai atrás esfregando o paninho.”
O pai podia não entender, mas a tia sendo mais velha (e mãe de quatro filhos) entendia bem aquilo.
Samuel nascera prematuro, com sérios riscos de não sobreviver. Até hoje, era pequeno para sua idade. Era de se esperar que a mãe fosse super protetora, ainda mais ele sendo filho único.
Dona Daguimar despediu-se da cunhada. Ao sair, como era de costume, fechou o portão para que o menino não fosse pra rua, avisando.
“Soninha! O Samuel ainda está com o guardanapo na mão.”
“Tá bom! Só vou esquentar a mamadeira e já tiro já.”
0:01:00, 0:00:59, 0:00:58... 0:00:02, 0:00:01 fim fim fim.
Tirou o leite quente do microondas e chamou o filho.
“Samuel!”
Esperou.


“Samuel!”


Nada.
“SAMUEL!”
Saiu para procurá-lo, o coração pulsando de uma forma estranha, tentando deixá-la tonta.
O terreno não era grande, ficou lá parada no meio dele enquanto o quintal girava em volta dela. Mesmo com todo aquele movimento nauseante conseguiu focalizar o portão, foi como se puxasse um freio de mão. O carrossel de imagens parou. O coração não. Era a única coisa que ouvia, o próprio batimento cardíaco.
Correu até a entrada da casa, o portão estava fechado, mas não trancado.
Frio na barriga! Imaginou que alguém havia levado seu filho.
“Meu, Deus! Por favor, não! Por favor, Deus, não!”
A súplica ficou apenas em pensamento. A garganta estava colada, não conseguia pronunciar uma sílaba sequer.
Saiu pela rua em desespero, buscou todas as suas forças e conseguiu fazer com que as palavras rasgassem a garganta e fossem cuspidas pela boca.
“Meu filho! Alguém viu meu filho? Socorro! Pelo amor de Deus! Socorro…”
Com as palavras veio também o pranto, que foi mais pesado do que as pernas de Sônia puderam suportar. Caiu ajoelhada até que foi amparada por um vizinho que chamou a polícia.
A busca iniciou-se no próprio quintal da casa e durou apenas quinze minutos.
Samuel foi encontrado dentro de um balde preto ao lado do tanque de lavar roupas, afogado em um palmo de água. O garoto estava encolhido dentro do recipiente, parecia uma trouxinha de roupas de molho, por isso a dificuldade em visualizá-lo. Uma fatalidade!
Tentaram impedir a mãe de ver o corpinho. Seria mais fácil dominar um leão.
Ela ficou cerca de dez minutos abraçada ao cadáver até conseguirem desvencilhá-la levando-a para a cozinha.
Já não chorava mais, nem falava ou se movia. Apenas fitava o chão como um manequim inanimado.
Os amigos e parentes tentavam consolá-la, mas ela só ficava lá, parada, olhando para o chão.
Um único minuto de distração, ninguém entendia como uma coisa daquelas podia ter acontecido.
Mas Sônia sabia! Soube no momento em que viu seu filho, com sua mãozinha fechada, segurando um pano branco.
Samuel tentara lavar o guardanapo para agradar a mãe, a água estava tão difícil de alcançar no fundo daquele balde que, no esforço, o menino acabou caindo para dentro. Seu pequeno corpinho não teve peso suficiente para tombar o recipiente traiçoeiro e, em menos de um minuto, tempo em que a mãe esquentava a mamadeira, desapareceu do quintal.
Muitos falavam pesares, outros choravam lamentos. Sônia ficava imóvel, de olhos fixos no chão…
Olhando para o leite derramado!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Do Branco ao Negro

Crescí ouvindo os locutores da 89 FM, a rádio rock, um deles era o Sandro Anderson.
Essa noite ele morreu, após colidir com sua motocicleta em um poste da avenida Ramiro Corleone em Santo André.
Suspeita-se que o radialista estivesse embreagado, pois voltava de uma festa. Sei porque, como repórter cinematográfico, fiz a cobertura desta matéria.
Os veículos de comunicação formam um universo fechado, as pessoas se conhecem! Na redação da emissora onde trabalho, não demorou para colegas de Sandro perguntarem sobre o acidente: "Foi feio?" "Como ele ficou?"
E lamentavam então a morte do colega. Já eu, só conseguia pensar na noiva que ele deixou, pois a festa de onde ele saíra era sua própria despedida de solteiro para o seu casamento que deveria ocorrer hoje, dia oito de junho.
Fico imaginando a noiva recebendo a trágica notícia enquanto experimenta o vestido pela última vez, tornando-se viúva antes mesmo de ser uma esposa, uma anomalia, uma inversão da ordem natural das coisas. A felicidade do vestido de noiva branco sendo substituída pela tristeza negra do traje de luto.
Penso em todas as coisas a serem resolvidas: A igreja! A festa! O bolo! A viagem de lua de mel! Uma mais dolorosa que a outra!
Os convidados que não puderem ser avisados chegarão para um casamento e acabarão ficando para um velório.
Presentes e cartões remetidos com antecedência, desejando felicidades ao casal, continuarão chegando por certo tempo, assombrando uma casa mobiliada por lembranças.
Não, o sofrimento não é apenas pelo homem que morreu, mas pela morte de todo um futuro!
O falecido não era jovem, tinha 47 anos, seja lá onde esteja, não estaria arrependido de não ter se casado antes e desfrutado dos privilégios do amor em toda sua plenitude!?
Isso me faz pensar em minha própria vida, no medo tolo que as vezes sinto de mudanças, na arrogância imatura de se achar "jovem" e com a vida toda pela frente. Talvez não tenha tanto tempo assim quanto imagino, ou talvez tenha!
Essa é a questão, não sabemos! Mas de uma coisa eu sei, nunca terei uma vida completa sem minha outra metade.
Certa vez Mario Quintana, a quem respeito a sabedoria, disse:
"Não faz da tua vida um rascunho, poderás não ter tempo para passar a limpo."
Pois não farei mais rascunhos, muito menos despedidas de qualquer espécie!

terça-feira, 2 de junho de 2009

Sangue Azul

Toda nobreza orgulha-se de seu sangue real.
"Sangue azul!"
Dizem com pompa.
Meu sangue é vermelho e comum!
Azul, a cor dos reis.
Por muito tempo até mesmo a tinta azul foi privilégio de poucos, extraida de uma pedra rara chamada Lapis-lazuli, a pedra dos deuses, da sabedoria dos reis... Uma pedra azul!
Mas eis que um homem, de sangue vermelho e curioso como o meu, descobriu uma fonte bem mais abundante desse pigmento.
"Azul da Prússia!"
Ele chamou a cor, homenageando sua pátria. Um azul obtido do ferro existente no sangue dos porcos.
Quem diria!
O porco, criatura que está longe de ser sagrada em qualquer cultura, também tem sangue azul, como a realeza.
Meu sangue?
É vermelho e comum!

Nos domínios da Máquina

Já foi tema de inúmeros filmes: Um mundo dominado pelas máquinas fazendo dos seres humanos seus escravos.
Pois já aconteceu! Não da forma bélica como o cinema retratou, foi mais como a epidemia de uma doença cujos sintomas demoram a aparecer e, quando se percebe, já é tarde demais.
Percebí ontem, quando pagava algumas contas num caixa eletrônico e, ao mesmo tempo, resolvia outros problemas com o celular colado ao ouvido. Recebí então a seguinte mensagem: "Tempo de operação esgotado."
Fui obrigado a desligar o telefone e dedicar toda a minha atenção àquela máquina tirânica que delimitava o tempo que poderia me dispor para que eu a utilizasse.
Tirania semelhante a de certos refrigeradores. Um conselho: Quando você pegar qualquer coisa na geladeira, certifique-se de que esteja tudo lá! Do contrário a porta do eletrodoméstico se recusará a abrir, como se estivesse te castigando pelo seu esquecimento!
Semáforos, despertadores,relógios ... Não vivêmos mais nosso tempo, e sim o tempo estipulado nas máquinas.
E o que dizer dos GPS's: "Vire a esquerda." Ou então: "Vire a direita." Acho que não há necessidade de dizer nada!
Até mesmo nossas relações com outras pessoas tem sido cada vez mais intermediadas por máquinas, em nosso dia- a- dia conversamos com mais pessoas via internet, telefone ou o que quer que seja, do que pessoalmente.
Alguns dias atrás encontrava- me no bar de um amigo quando chegou um senhor de meia idade, entrou, passou por todas as pessoas e foi direto até os caça- níqueis escondidos no fundo do estabelecimento.
Ele não cumprimentou ninguém, no entanto, chamava aquela máquina de "meu benzinho!" e lá ia ele, enfiando dinheiro naquela meretriz eletrônica.
Como esse, poderia citar mil outros casos, mas prefiro um mais próximo, o meu próprio. Pois, a reclusão em que mergulho quando escrevo neste computador, talvez seja igual a do jogador no bar.
Todos temos nossas máquinas dominadoras, não sou um fanático que acha que a tecnologia deva ser extinta, mas acredito que devamos policia melhor nossas tendênsias "praticistas". Fácil é o caminho do exagero, e daí para o vício...
Equilíbrio é a chave de uma vida saudável.
Se você fala muito ao telefone, visite mais as pessoas;
Se anda muito de carro, pratique caminhadas;
Se ouve muito o rádio, cante um pouco;
Se assiste muito TV...
Bom, cada um deve julgar a própria vida como lhe convém. Sei que eu estou desligando meu computador nesse instante e indo passear com meu cachorro em algum parque apinhado de gente.

A Morada do Tempo

"para minha irmã"

O tempo passa e as coisas mudam. Sei disso.
Quando era criança, vivia me aventurando pela densa selva do bagunçado jardim de dois metros quadrados da casa de meus avós.
Como experiente explorador fazia escavações arqueológicas, recolhia novos espécimes de plantas (o que deixava minha avó danada comigo... Risos) e me divertia cutucando o saudoso e tímido tatu-bolinha.
Porque lembrei disso?
Antigamente, quando queríamos conversar com outras pessoas, e não podíamos vê-las pessoalmente, sacávamos uma ficha do bolso, à metíamos num orelhão e... Pronto!
Hoje, mal se utilizam os orelhões, que agora são de cartão aliás.
Todo mundo tem celular, e eles não fazem apenas ligações, acessam a internet, mandam emails, tiram fotos, gps, musicas... Até comunidades, que são a grande onda do momento, podem ser acessadas por eles.
Há alguns dias minha irmã tornou-se membro de uma delas no Orkut chamada: Onde estão os Tatus-bola?
O tempo passa, as coisas mudam, mas as pessoas não! Elas podem melhorar ou piorar com o tempo, mas em essência continuam sempre as mesmas.
Minha irmã sempre foi curiosa, e assim continua. Me fez a mesma pergunta da citada comunidade:
"Onde estão os tatus-bola?"
Brincando, respondi:
"No mesmo lugar das fichas telefônicas!"
Rimos com a brincadeira, mas ela me pôs a pensar no mundo instável em que vivemos, e na fragilidade do tempo. Não vemos mais tatus-bola, nem fichas de orelhão ou notas de um real por aí. Nem mesmo o jardim dos meus avós é mais deles! Venderam a casa e se mudaram para Minas Gerais.
A princípio pensar essas coisas me deixou triste, mas sem querer acredito que acertei na resposta.
As fichas, os tatus, as notas e tantas outras coisas, estão sim no mesmo lugar, em nossa lembrança! É ela que devemos preservar com todo carinho e respeito, pois é ela que guarda nossa história, que não nos deixa esquecer de onde viemos e que molda nossa personalidade, nos fazendo melhorar ou piorar como pessoa.
O tempo passa, as coisas mudam, mas, em essência, as pessoas não.
Eu continuo sonhador!