domingo, 12 de julho de 2009

Bodas do Desejo

Às bodas do desejo
Jaz, perdida em morno tempo
A calmaria em meu peito
A tempestade do amor

Da borrasca de sentidos
Um tufão, um suspiro!
__Mude Oh! Vento, meu destino
Leve embora minha dor!

Nossos corpos entrelaçados
Sem pudor, sem pecado
Promessa, selada entre lábios

Ao futuro: Lembrança no passado.
No presente, o presente!
O agora, tão somente!

O Tronco de Teixo

O título de Parque era uma mera formalidade burocrática pois, na realidade, o que havia sido feito fora a colocação de um pesado portão de ferro com os dizeres “Parque Público” em um braço da mata Atlântica, que tocava o município de um desses políticos populistas, que, graças a seu feito, o portão, gozava agora do cargo de Prefeito de tal cidade.
O leitor pode julgar injusto o meu comentário, mas compreenda que tenho razão se observarmos a “estrutura” do “parque” apenas como conseqüência da existência do portão. O caminho circular que leva do portão de volta a ele próprio, após um percurso de cinco quilômetros, é um bom exemplo do que digo. Todo portão deve obrigatoriamente guardar um caminho, caso contrário, deixa de ser portão e passa a ser conhecido como grade. Devemos lembrar que esse caminho é o único do parque, como que para satisfazer apenas a existência do portão, não dando portanto muitas opções de percurso para seus visitantes, que, vez por outra, seja por descuido ou por teimosia mesmo, saem da trilha, o que é expressamente proibido, para se aventurarem mata adentro. É quando a noite cai repentinamente escondendo a trilha até o caminho que leva ao portão.
Devido a essa região da mata ser inexplorada, muitos nunca mais são vistos, mas isso não é o pior. O problema está naqueles que continuam a ser vistos por anos e anos a fio. Foi pensando nesses desaparecimentos, e nas suas conseqüências durante as eleições, pois ninguém gosta de um parque que engole pessoas, que nosso político populista mandou instalar luzes por todo o percurso, servindo assim de farol para os desafortunados náufragos do mar negro da noite na mata. E até mesmo eu devo admitir que o número de desaparecidos caiu muito após tal medida. Mas voltaremos a falar desses desafortunados personagens mais à frente, um deles, na verdade, o jovem conhecido como Cássio, pois no momento estou incumbido de esclarecer ao amigo leitor outro item da “estrutura” do “parque”.
Visto que todo portão deve ser aberto, nada mais justo que o parque conte com um porteiro para abri-lo, e, já que todo portão aberto precisa ser fechado, outro porteiro para tal tarefa. O primeiro porteiro chega às seis da manhã, abre o portão e apaga todas as luzes do caminho, volta então para o portão e se ocupa de dar bom dia para as pessoas que chegam e saem, até que às três horas é substituído pelo segundo porteiro, que dá boa tarde a outras pessoas. Quando às seis horas da tarde se aproximam esse segundo porteiro acende as luzes do caminho e continua sua cortesia para com os visitantes. Muito mais supersticioso que seu companheiro da manhã, esse porteiro sabe que nunca se deve dar boa noite no parque, pois a noite ali dentro nunca é boa, por isso a qualquer horário seu cumprimento é sempre Boa tarde.
À meia-noite o parque é fechado. Os antigos costumavam dizer que coisas muito estranhas aconteciam nesse período. É quando a magia acontece, diziam eles, com voz rouca que fazia tremer as criancinhas. Acontece que todo adulto já foi uma criança e por mais que pensemos que todos os nossos medos já foram dominados, sempre há algumas situações que nos provam o contrário. As luzes no parque eram sinais de uma delas, mais do que orientar os perdidos, elas lembravam a toda a população o que temer.
É sabido que se uma pessoa fica perdida dentro do parque, sua única chance de ser vista novamente é manter-se no caminho iluminado. Cássio não era ignorante desse fato. Ele, mais do que qualquer outro, sabia das histórias fantasmagóricas do parque, mas naquele dia em específico esse era o último pensamento que poderia ocupar sua mente atormentada por acontecimentos recentes. Não entrarei em detalhes aborrecidos junto ao leitor, basta que diga que o noivado de Cássio, cultivado durante três anos sob as brumas do amor, havia acabado como a névoa que se dispersa. Quanto aos motivos deixo sob a imaginação alheia, pois nesses casos apenas o resultado importa. De que adianta estar certo ou errado e perder a companheira do mesmo modo?
Mais do que acometido por uma perda, perdido! Era assim que Cássio se sentia enquanto caminhava pelo caminho sem reparar nas pessoas apressadas em deixar o parque que passavam por ele. Sim, leitor, já era quase hora de o parque fechar! Cássio continuou andando, andando, andando...Sua procura era pela paz interior que o havia abandonado, e, quando esse tipo de busca se inicia, o mergulho na própria alma é tão profundo que o mundo exterior se torna muito distante.
Foi somente quando uma brisa de vento frio passou por Cássio como água gelada a banhar seu rosto, que ele despertou e começou a perceber que o parque deveria estar já para fechar e, sem nunca deixar de lado suas inquietações, que já deviam estar esculpidas em sua mente na figura dos mais sinistros demônios, é que Cássio começou a se dirigir para o portão, sem muita pressa devido ao peso de seu fardo.
Enquanto ia rumo à saída, Cássio ouvia o ranger ao vento dos bambuzais que margeavam a trilha. O som era como o de centenas de portas sendo abertas ao longo do caminho, todas elas convidando a entrar em seu reino de sombras.
Cássio parou à beira do caminho, admirado. “É incrível”, pensou. “Durante o dia vemos apenas um caminho, já com a noite podemos ver diversas trilhas diferentes. Não é de se estranhar que tantos tenham entrado nestas matas misteriosas, apesar dos avisos”. E com um certo palpitar no coração, Cássio ameaçou dar o primeiro passo mata adentro, mas nosso herói não era tolo, sabia que a mata tragava as pessoas nunca mais as devolvendo. Já havia ouvido muitas vezes os antigos quando criança, histórias sobre bruxas que dançavam sob carvalhos vestindo apenas a luz do luar, além de homens que ficavam tanto tempo perdidos na mata que passavam a criar raízes e folhas se tornando parte dela para sempre.
“A que lúgubre destino pode levar uma trilha que se esconde ante a presença da luz?”.Vociferou Cássio, mais para seu próprio espírito curioso do que para as trevas a que era dirigido o seu olhar. “Um caminho que emerge das profundezas na mais escura das noites, prometendo mil venturas, não, não é a mim que afogará em tua luxúria!”
No entanto, a única resposta obtida da escuridão fora um leve ruído da mata se curvando ao vento, um sinal de reverência à decisão tomada por Cássio, que se perguntou se não estaria louco por conversar com a mata, à noite, ou sabe-se lá, nem sabia ao certo a quem eram dirigidas suas palavras.
Colocou-se então novamente a caminho do portão, voltando a pensar em seus infortúnios amorosos.
Sinto-me no dever de salientar que se fosse apenas pela curiosidade Cássio teria resistido bravamente ao convite oferecido, como bem pode observar o perspicaz leitor, mas ao perceber que tão breve aventura havia expurgado de sua mente, mesmo que por alguns segundos, as lembranças dolorosas de sua EX -noiva, e a isso relacionar sua tão almejada paz de espírito, é que Cássio voltou seus passos à trilha negra decidido a desvendar seu destino.
Parado na entrada da trilha, foi com certa excitação que deu o primeiro passo, e com esse único passo Cássio pôde sentir que não estava mais no parque público, estava na mata fechada que se abrira excepcionalmente para ele. Sentia um frio terrível na espinha quando parava para olhar as luzes que deixava para trás. Tinha de manter-se em movimento, caso contrário sentia que congelaria naquele mesmo lugar. Não conseguia ver nada a sua frente, a escuridão era tão densa que quase podia tocá-la. Sentia um nó em sua garganta e, quando este se desfazia, um gosto amargo invadia sua boca.
Em nenhum momento Cássio pensou em voltar ao parque, estava com medo, “mas antes sentir medo do que angústia de não ter mais objetivo algum na vida!” Era o pensamento do rapaz que, em certo ponto de seu percurso sombrio, fora obrigado a parar, não por vontade própria, mas porque a trilha desaparecera sob seus pés como se ali nunca tivesse estado.
Cássio tentou manter-se calmo, ouvia o coração disparado em seu peito como se quisesse... Som de passos!
Rapidamente Cássio se vira. É impossível enxergar qualquer coisa!
Do outro lado agora!
Atrás!
“Quem está aí?” Ele grita.
Sua resposta é o estalar de um graveto ao seu lado. Cássio fica paralisado, mesmo sem ver ele pode sentir a presença de algo a sua direita, se aproximando cada vez mais.
“Idiota!” Ele pensa, “nunca deveria ter gritado. Vai Cássio corre, corre o mais que puder, coloque esse seu coração covarde em suas pernas!” Um novo estalo, dessa vez mais próximo. “Ainda está aí! Vamos, corre! Corre!”
E Cássio saiu correndo, cortando-se em espinhos, enroscando-se em cipós, tropeçando em raízes... Até que fechou seus olhos e passou a seguir o vento em seu rosto. Não ouvia mais nada, apenas o zunir em seus ouvidos. Tornou-se leve, pode-se dizer que estava feliz.
Parou, não tinha mais medo. Ao abrir os olhos percebeu que estava em uma clareira. Era fantástico, conseguia ver como se fosse dia, estava em paz, era como se sempre tivesse pertencido àquele lugar, a escuridão!
Foi nesse momento que Cássio abandonou seu passado.
Andando tranqüilamente pela clareira viu três árvores imponentes, jatobás gigantescos cuja própria história do mundo deveria estar contida em suas raízes.
Os três jatobás formavam um triângulo e Cássio parou ao centro dele. Era extraordinário que três árvores de tal magnitude tivessem sobrevivido assim tão próximas uma da outra.
“Conheço vocês!” O rapaz começou a dizer. “Sempre estiveram enraizadas no espírito de nossa gente. Como pudemos temer algo tão belo?” E dizendo isso deitou no chão e dormiu enquanto olhava a copa das árvores cujos mais altos galhos se encontravam, como deuses que dançam de mãos dadas numa valsa celeste regida pelo vento gélido da mais misteriosa das noites.
O dia amanheceu, como tantos outros depois desse. Seu conjunto formou meses, e os meses anos. Com as décadas vieram mudanças na política e, conseqüentemente, no parque. O pesado portão de ferro foi consumido pela ferrugem e deixou de existir, sendo substituído por uma cancela. Apesar de não haver mais portão, os porteiros ainda existem. Não são mais os mesmos, nem dão mais bom dia ou boa tarde para as pessoas que freqüentam o parque, mas continuam acendendo as luzes todas as noites, sem saber o por quê. Já que é proibida a visitação durante esse período.
Os dizeres “Parque público” foram substituídos por “Reserva Ecológica”, e diversas trilhas foram abertas, além do caminho principal de cinco quilômetros. Dizem que cada uma dessas trilhas foi um corte na alma da mata, que sangrou até a morte, e apesar de não mais levar o título de parque, poderia agora ser assim chamada.
Uma dessas trilhas, a mais freqüentada na verdade, passa por uma clareira com três imensas árvores secas. Certo dia, durante um passeio, uma bióloga se perguntou curiosa o que um tronco de teixo, arvore tão incomum à região, estaria fazendo caído entre os jatobás secos.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Periferia, Polícia e Notícia

A favela de Heliópolis é a maior e uma das mais perigosas de São Paulo.
Não são raros tiroteios entre bandidos e policiais, portanto, também não é incomum que a imprensa apareça por lá fazendo suas entrevistas, fotografias e filmagens nos locais preservados pela polícia.
Mas e quando a polícia não permanece guardando a cena de crime? Como ocorreu no fim da noite passada!
Num lugar perigoso, como a favela em questão, isso quer dizer apenas uma coisa: A PM fez besteira!
Abandonam o local na esperança de que os jornalistas, com receio de assaltos, não entrem no interior da comunidade para levantar a história, ficando apenas com a versão oficial passada pelo comando de área.
Essa tática funciona com muitos colegas menos experientes no jornalismo policial mas, como diz o repórter com quem trabalho: "Não somos acessores de imprensa da secretaria de segurança!"
Mesmo sem polícia, nos aventuramos no interior da favela, passando por vielas escuras e apertadas e sentindo olhos em nossas costas.
Pode parecer loucura, mas não é!
Logo depois que ocorre um crime e a polícia se faz presente, existe um tempo hábil onde é possível circular pelo local, pois os criminosos continuarão escondidos até a poeira baixar. Esse tempo varia, pode durar dez minutos ou dois dias, tudo vai de sentir o "clima" do lugar.
Encontramos a rua onde teria ocorrido o confronto e descobrimos o motivo pelo qual a PM tentava evitar que entrassemos na favela. Uma menina de oito anos teria sido alvejada no peito por um policial!
O repórter conversa com os familiares da garota se declarando inconformado com o ocorrido e me olhando em busca de confirmação, que obtém na melhor expressão de indignação que consigo fazer. Técnica para ganhar a família, que acaba gravando entrevistas e garantindo nossa segurança no local.
Não é que não nos importemos, apenas somos calejados pela violência da metrópole. Além do que, precisamos manter certa distância para poder ver a coisa como um todo.
Segundo a família, policiais da ROCAM (rondas ostensivas com apoio de motos) eram os únicos a disparar com suas armas enquanto perseguiam um suspeito que fugia. Um desses tiros teria pego na criança, que voltava da casa de uma tia. Ao se recusarem a socorrer a menina, populares teriam ficado revoltados e agredido os policiais, tomando a chave de uma das motos durante a confusão.
A menina acabou sendo socorrida de carro por um vizinho até o hospital da região e não corre risco de morte.
Comprovando a versão da família, temos uma delegacia onde nenhum bandido foi preso ou arma apreendida.
Mas apesar de todos os fatos, nada acontecerá!
Os policiais serão absolvidos, os bandidos continuarão a solta e a imprensa partirá para outras matérias.
Apenas uma menina inocente de oito anos terá para sempre uma cicatriz em seu peito e, toda uma comunidade, uma ferida ainda maior contra o Estado!