quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Uma Flecha ao Léu II

Em seu leito de morte, Robin Hood, pediu para que atirassem uma flecha em direção a floresta de Sherwood e que, onde essa seta caisse, ele fosse enterrado!
Assim é nossa vida!
Uma flecha ao léu que não sabemos onde cairá nem por quanto tempo permanecerá em seu vôo ascendente antes da inevitável e vertiginonosa queda!

domingo, 27 de setembro de 2009

Uma História pelo Caminho

Geralmente escrevo sobre as histórias que vivo, sendo cinegrafista de jornalismo na madrugada isso não é difícil! Mas a história que conto agora foi ouvida por mim da boca do repórter com quem trabalho, um jornalista diferente de todos com quem já trabalhei, talvez por que venha da periferia e não de classe média como a maioria.
Viveu na pele injustiças e indiferenças e hoje orgulha- se de denuncia- las com seu trabalho. Doa a quem doer!

__Não sou assessor de imprensa de ninguém!

É seu lema!
E pelas histórias de sua vida é fácil entender como seu caráter foi formado.
Essa é apenas uma delas!


Era madrugada, já não me lembro exatamente o horário, saimos da base em direção a cidade de Francisco Morato nos arredores da capital paulista, contra minha vontade pois a matéria era sobre uma denúncia de omissão de atendimento por parte de alguns orgãos públicos. Para isso não precisavamos ir tão longe, qualquer serviço público alí no centro mesmo renderia a mesma matéria.
O melhor caminho para essa cidade é via Bandeirantes, mas como trabalhamos numa equipe reduzida (somos apenas eu, que sou cinegrafista e motorista, e o repórter, que acaba tendo que acumular a função de produtor) nossas verbas também são!
Cansados de pagar pedágio e não recebermos o reembolso, optamos por um caminho mais longo, porém sem tarifas, pela estrada Presidente Tancredo de Almeida Neves, ao fim da Raimundo Pereira de Magalhães em Perus.
Como toda estrada antiga, essa também era cheia de curvas sinuosas, buracos e escuridão, transformando uma viagem de vinte minutos numa de cento e vinte!
Mantivemos silêncio no carro por toda RPM e na Tancredo Neves de Perus até Caieiras. Eu estava de mau-humor e meu parceiro sabia respeitar isso. Mas ao chegar no entroncamento de Franco da Rocha o repórter viu aquelas bem conhecidas letras brancas de concreto com o nome da cidade e deu um pulo.

__Putz! Conheço esse caminho!

Eu não disse nada, apenas olhei para ele, que continuou.

__Quando era criança meus pais me trouxeram aqui!

Notando que viria uma de suas histórias de infância e tendo ainda um longo percurso pela frente, ajeitei- me no banco e continuei ouvindo.

__Eu tinha um tio, irmão de meu Pai, que teve de ser internado num manicômio aqui em Franco da Rocha.
"Não sei bem o que houve com ele, se foi bebida, drogas ou se simplesmente surtou, sabe como é, pra crianças os pais nunca contam muita coisa! O fato é que naquela época estresse, bipolaridade, depressão... Não existiam! Pelo menos não para nós que eramos muito pobres! Tudo tinha o mesmo nome: Loucura!
Tudo era mais difícil naquele tempo, por isso meus pais ficaram muito felizes quando conseguiram uma vaga para meu tio no hospital mental daqui, que era considerado o melhor do país, pelo menos ele teria o tratamento necessário!
Em um sábado ensolarado, uma ou duas semanas depois de seu irmão ter sido internado, meu pai resolveu trazer toda a família para visita- lo. Minha mãe, como boa dona de casa, preparou vários potes com guloseimas para nossa família e para meu tio. Eu via aquela 'viagem' como um verdadeiro pic-nic no campo, sensação que me era aumentada exatamente por esse caminho que fazemos agora, todo arborizado em seu redor!
Chegamos ao hospital de mala e cuia e fomos levados até o leito de meu tio.
Alí acabou nosso pic- nic!
Mal nos reconhecendo (e nós a ele que parecia um animal selvagem!) pulou sobre meu meu pai, que tentava conte- lo, rasgando sua camisa. Minha mãe se aproximou para ajudar seu marido e no meio da confusão os potes com comida acabaram indo ao chão, espalhando seu conteúdo por todo o quarto!
Meu tio desvencilhou- se de meu pai e acoado num canto do dormitório começou a enfiar toda aquela comida caída na boca: __ Está completamente louco! __ Disse meu pai saindo conosco daquele quarto dos horrores.
Na volta para casa nós três estavamos chocados, pude ouvir meu pai sussurrando com minha mãe: __ Está pior do que nunca! Não dá para vir aqui desse jeito!
E realmente não voltamos mais."

O repórter ficou em silêncio, mas eu sabia que sua história não havia terminado, então esperei, já estavamos na entrada da cidade e, vendo que precisava concluir logo sua história, ele continuou. Agora mais suscinto!

__Três meses depois meu tio faleceu! O laudo médico constatou que ele morreu de... FOME!
"Isso ficou na minha cabeça por anos! Será que ele estava tão louco quanto pensamos? Ou estava apenas faminto?
O fato é que o melhor hospital psiquiátrico do país deixou um de seus pacientes morrer de fome!"

Estacionei em frente ao posto médico de Francisco Morato, tinhamos chegado ao nosso destino, à nossa matéria. Não descí do carro, não antes de saber o fim da história.

__E o que aconteceu com o hospital?

Perguntei!

__Nada! Continuou sendo o melhor do país! Como disse, naquele tempo tudo era mais difícil e nós, muito pobres!
"Por isso tinhamos que vir aqui hoje, porque essas pessoas..."

E apontou para a frente do posto de saúde abarrotada de gente.

__Essas pessoas não tem ninguém para dar- lhes voz!

E desceu do carro com o microfone em punho.
Sem que visse, sorrí de admiração, peguei a câmera e, apontando para ele, disse:

__Gravando!

sábado, 26 de setembro de 2009

Coração de Mãe

Como um catarro incômodo escarrado da garganta, ele nasceu! Cuspido do ventre amargo de uma mulher que jamais seria realmente sua mãe.
Uma prostituta, que nem mesmo sabia qual dos "porcos" com quem se deitara era o pai daquele parasita que, por nove meses, vinha atrapalhando seus negócios. Para ela, estar grávida era como estar com lepra, ninguém queria uma "puta prenha". O odiou antes mesmo de nascer!
Quando soube da gravidez pensou em arrancar aquela "coisa" de dentro dela, uma colega chegou até a indicar- lhe um comprimido ótimo para isso. Mas era preguiçosa, acomodada, foi deixando... deixando... Até que nenhum comprimido ou médico pudessem fazer mais nada.
Sem opções, o jeito foi esperar e agora, enfim, estava livre!
Não esperou nem mesmo o fim do resguardo para voltar ao trabalho, não era exatamente de dinheiro que precisava, era de crack!
Á noite, no cúbiculo sujo e mofado onde morava, tornou- se comum ouvir não apenas os gemidos da puta sendo currada por qualquer bêbado que tivesse a sorte de ter vinte reais sobrando em seus bolsos, como também o pranto de fome do recém-nascido, que era colocado para dormir em um precário caixote de feira forrado com trapos imundos.
Os fartos seios da prostituta estavam maiores do que nunca, repletos de leite, mas nenhuma gota era para o bastardo, a única vantagem de ter parido era o tamanho que seus peitos haviam ficado, tinha de aproveita- los com os clientes!
Esses, adoravam aperta- los até arrancar gritos de dor da mulher e esguichar o líquido branco e quente por todo o quarto, as vezes até o bebiam dizendo ao vento:

__ É tão vaca que dá até leite!

"Porcos filhos da puta!"

Ela pensava fingindo não se importar com a degradação sofrida no sorriso falso do rosto suado!
E eram tão parecidos com esse animal que chegavam a grunhir enquanto penetravam com seus pênis o "rabo" daquela "vaca", cujo ânus já alargado pela "vida" nem sentia mais o coito.
Eram, em sua maioria, homens brutos, violentos, crescidos no abandono e de alma forjada por todo tipo de drogas. Sem nunca terem recebido amor, também não sabiam dar! Encontravam em mulheres como aquela satisfação física e uma morbida excitação em impingir a dor, como se tomassem o que não tiveram e devolvessem o que haviam recebido.
Eram violentos! Eram insensíveis! Eram porcos!

"Porcos filhos da puta!"

Eram todos filhos dela!

Amélia

Acordou sentindo- se estranha naquele dia. Não teve tempo de descobrir o porquê, pulou da cama antes de todos e foi para cozinha preparar o café da manhã para o marido, que tinha que trabalhar, e os três filhos que, como sempre, tinha que acordar para que não perdessem a hora do colégio.

"Mãe! Fala pra Bia sair logo do banheiro que eu preciso tomar banho!"

"Querida, você sabe onde estão as chaves do carro?"

"Pega a minha mochila Mãe!"

"Cadê meu boné?"

"Passa minha saia!"

"Derrubei café no terno!"

"Cadê... Pega... Passa..."

E ela resolvia tudo enquanto sua família fartava- se com o desjejum.
Sem despedidas, era então abandonada naquela jaula de trinta metros quadrados no oitavo andar daquele prédio velho, junto a louça suja e migalhas por todo lado.
Também queria sair, mas não podia! Tinha coisas demais para resolver.
O trabalho doméstico não dava trégua!
Seus passeios haviam sido reduzidos a idas e vindas do supermercado.
Deixou um prato cair enquanto lavava a louça, sentindo- se uma inútil por deixar isso acontecer começou a chorar.

"Droga de mão boba!"

A mão estava inchada e dormente.
Recolheu os cacos e, antes de continuar as tarefas de limpeza, ligou a companheira para que conversasse com ela, a TV!

"Ah!"

Quase se esquecera!
Os comprimidos de fósforo para a memória!
O marido andava reclamando que ela andava muito esquecida.
Da cozinha foi para o banheiro.
Esfregou pia, vaso sanitário, azulejos, tirou cabelo do ralo, as toalhas molhadas... No quarto arrumou as camas, recolheu as roupas espalhadas, brinquedos, revistas... Lavou e pendurou roupas, passou as que estavam secas, colocou o arroz no fogo para a janta, passou pano na casa, tirou o pó... Parou!
Apoiou- se no encosto do sofá com uma dor terrível no peito. Caiu no chão se contorcendo, era um infarto!
Não tentou resistir, de certa forma era um alívio. Em alguns minutos estava morta. Morta e feliz!








"O arroz no fogo!"

Lembrou- se.
Levantou correndo de onde jazia e foi até a cozinha.
Sorte! Não estava queimado, mas teria que deixar o infarto para outro dia, tinha a vida inteira para morrer e ainda faltava fazer a mistura e o suco, em breve a família chegaria em peso para jantar.
Antes de continuar tomou mais um comprimido para memória, quase se esquecera do arroz no fogo.

"Imagina se meu marido fica sabendo disso!"

O Fio da Meada

Baseado numa história real

O policial em pé a minha frente vai vomitando toda sua ocorrência para mim (Deus! Como odeio esses jargões da PM!) enquanto minha experiente escrivã, senhorita Cinthia, uma solteirona de 50 anos, vai digitando a história.

__ Estavamos em "Patru com vistas" quando "pagou" via "rede- rádio" um "QRU" de latrocínio. Fomos com uma "certa" até o "QTH" e encontramos o dono da residência "zerado" no quarto, aparentemente a pauladas, e sua esposa trancada com o filho no banheiro. Fizemos uma busca no local, mas os "malas" já tinham se evadido!

Eu fico lá... Balançando a cabeça enquanto minha atenção está focada na placa de identificação no peito do Cabo da PM a minha frente. Seu sobrenome é Cetanelle, deve ser de descendência italiana. Mas não foi isso que chamou minha atenção, foi a placa em sí que diz: CABO CETANELLE __ CÁ BOCETA NELLE!
Começo a dar risada e nem o cabo nem a escrivã entendem nada.

__Tudo bem doutor?

Digo que sim e me recomponho. Dispenso o cabo, prefiro pegar os detalhes com a família, então peço para que o policial chame a mulher da vítima... "com uma certa!" Digo irônico ao PM, mas quem entende é a senhorita Cinthia, que desvia a vista para o lado escondendo o sorrindo.
A maioria das pessoas acha que o trabalho de delegado é repleto de aventuras e mistérios como nos filmes. Tolice! Na verdade é um trabalho burocrático, passo a maior parte do tempo sentado nessa mesa, ouvindo pessoas e assinando papéis.
É no depoimento, na história ou nas lacunas dela que pode estar a solução para os casos:
Um apelido dito sem querer por um dos bandidos!
Uma cicatriz ou tatuagem percebidas pelas vítimas!
Alguma informação que os bandidos tinham e que não deveriam ter!
É afinando a história que encontramos um fio solto no novelo, o fio da meada! Daí é só puxa- lo!
A esposa do falecido entra, olhos vermelhos, lenço na mão e um belo corpo! O rosto está inchado pelas lágrimas e ela já não é nenhuma mocinha, mesmo assim é possivel perceber tratar- se de uma mulher bonita e bem cuidada.
Não emito nenhuma saudação infame do tipo: __Tudo bem?__ Apesar de ter que admitir que cometí muitas dessas gafes no inicio de minha carreira.
Apenas aponto com o braço para que ela se sente na cadeira a minha frente.

__ Pode me dizer seu nome e o nome de seu esposo?

__ Sandra Deodato, e José Henrique Deodato.

__ As idades Dona Sandra?

__ A minha é 36 e a de meu marido é... era 42!

A escrivã interrompe pedindo licença para sair da sala, eu concedo e continuo minhas perguntas:

__ Qual era a profissão dele?

__ Tinha uma empresa de embalagem plásticas.

__ Era empresário então!

__ Isso! Um microempresário!

E minha enquete segue, em meio ao som da impressora matricial trabalhando initerruptamente na recepção, Sandra responde muito claramente:

__ Estavamos morando aquí na região a cerca de três meses, nos mudamos da zona sul após um sequestro que sofrí... Não, os sequestradores não foram pegos... Meu marido pagou o resgate e só notificou a polícia após minha libertação... Sim, eram os mesmos homens! Nunca vou esquecer aqueles rostos!

Faço uma pausa nas perguntas para que a mulher chore um pouco. Empurro na direção dela a caixa de lenços de papel sobre minha mesa e espero.

__Me desculpe!

Diz a mulher após três minutos.
Digo para ela não se preocupar, para ficar a vontade, que sei que é difícil e blá blá blá... Se um dia deixar de ser delegado vou virar psicólogo!
Minha escrivã retorna com alguns papéis na mão.
Volto então ao depoimento:

__Mas me diga, Dona Sandra! Como foi que tudo aconteceu?

__ Estava em casa com meu nenem, deveria ter ido para a academia de ginástica onde malho mas ela não abriria hoje, aproveitei então para dar folga para nossa empregada.
"Meu marido chegou no horário de sempre, mas rendido por dois homens. Um deles me trancou no banheiro com meu filho e não pude ver mais nada, apenas ouví enquanto batiam no meu marido para que dissesse onde tinha dinheiro na casa. Ele apenas gritava, dez, vinte, trinta minutos... Até que não gritou mais!
Desesperada, liguei para a polícia! Mas era tarde!

Nova pausa, mesmo motivo!
Pelo jeito vou precisar comprar outra caixa de lenços!
A escrivã me dá os papéis que trouxe. É o B.O de sequestro do casal, como disse, a senhorita Cinthia é muito eficiente! Numa folheada confirmo que a história bate.
Mando a mulher para a sala ao lado fazer um novo retrato falado dos sequestradores, mas antes faço a última pergunta:

__ E havia mesmo dinheiro na casa?

A mulher me olha com olhos carregados e responde:

__ Não! Nem um centavo em casa ou no banco! Estamos numa situação muito difícil desde o sequestro.

Peço para a escrivã acompanhar Sandra até o desenhista técnico e trazer na volta o Senhor João Carlos Deodato, irmão e sócio da vítima.

__ Com licença doutor?

__ Sente- se sr. João!

Explico sobre a co- relação do assassinato com o sequestro de três meses antes e começo meu inquérito:

__ Faz idéia de por que seu irmão não acionou a polícia na época do sequestro?

__ Medo! Cansei de dizer a ele para que chama- se a polícia, mas Sandra estava grávida, para ganhar nenem, e ele quis resolver tudo o mais rápido possivel!

__ Seu irmão pagou cinquenta mil reais de resgate, sabe quanto eram seus fundos na época?

__ Ele tinha exatamente essa quantia! Cinquenta mil!

__ Interessante! E sabe quem tinha acesso aos rendimentos dele na empresa?

João Carlos precisa de um tempo para pensar.

__ Eu e os funcionários da contabilidade. Acho que só!

__ Quantos funcionários?

__ São três...

Ele me passa o nome de cada um deles e permito que se retire.
Mal a porta se fecha e alguém a abre perguntando se tenho um minuto.

__ Agora não posso, estou ocup... Ora! Mas é você seu safado! Quanto tempo! Vamos, entre!

É Alvaro, um velho amigo meu que trabalha na perícia. Havia sido escalado para o latrocínio de José Deodato e aproveitou para me visitar.
Senhorita Cinthia nos tráz café para ajudar a botar a conversa em dia:

__ E a esposa? Como estão os filhos? Precisamos marcar um churrasco! O governo tá cada dia pior! Antigamente não era assim! Tem visto o Palhares? Santista ainda!? Não cansou de sofrer? Ahahahahahhh!!!

Alvaro me mostra então as fotos tiradas por ele na cena do crime. A cabeça careca parecia uma melancia de tão inchada.
Seria duro saber se o pobre diabo havia morrido espancodo ou sufocado pois, além das mãos e dos pés, também o rosto da vítima tinha sido envolvido por fita adesiva larga, Interessante!
Vendo que estou ocupado Alvaro se despede. Acompanho meu amigo até a porta da sala, de onde chamo novamente o Cabo Cetanelle, dessa vez o trocadilho nem passa por minha cabeça!

__ Diga- me Cabo, qual foi seu procedimento e o de seu parceiro ao chegarem no local?

__ Acionei o resgate para a vítima mesmo não encontrando pulsação e arrombei a porta do banheiro de onde a esposa pedia socorro! Meu parceiro fazia varredura pela residência a procura dos criminosos!

__ Obrigado cabo, é só isso!

Peço para a escrivã trazer novamente o irmão da vítima até minha sala. Converso com ele e em seguida chamo Dona Sandra. Ela vem, já com os retratos prontos, senta- se a minha frente e eu lhe pergunto:

__ Esquecí de lhe fazer a pergunta mais importante! A quanto tempo malha na mesma academia?

A mulher fica pálida e repito a pergunta.

__ Dois anos.

Responde enfim. Eu continuo:

__ Eu ouví sua história e percebí que tem muitas pontas soltas, como quando você disse que os assaltantes perguntavam ao seu marido onde havia dinheiro. Eu nunca ví amordaçarem ninguém pra depois interrogar! Também achei estranho você não ter ligado imediatamente para a polícia após ser trancada no banheiro, segundo suas palavras você esperou cerca de meia hora...

Continuo pressionando Sandra, que nega tudo. Comparo os retratos falados de três meses atrás com os feitos há pouco, não chegam nem perto de serem parecidos:

__ Diz a verdade Sandra, nunca houve sequestro, foi estelionato, você e seu comparsa fingiram o sequestro e agora que o dinheiro acabou planejaram ficar com o dinheiro do seguro de vida do seu marido.

Foi para saber isso que havia chamado novamente João Carlos, cheguei a pensar que ele estaria envolvido, mas me pareceu mais provável alguém da academia, que aliás não abriu no dia!
Demora um pouco, mas Sandra acaba confessando, entregando o amante, um instrutor da academia, e desabando em lágrimas.
Ela estica o braço para pegar um lenço de papel mas eu puxo a caixa, ainda há alguns e outras ocorrências para ouvir, posso precisar com outra pessoa!
Mando um dos investigadores recolhe- la a uma cela. Saio um pouco de dentro da minha sala para tomar um ar, me sinto incrível, ao invés de um crime resolví logo dois.
Na recepção outras pessoas com outras histórias reclamam da demora, acham um absurdo demorar tanto para fazer um boletim.
Ainda bem que não são eles os delegados!

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A Foto do Pescador

Um sujeito e tanto aquele José Patrício, um desses tipos que poderia muito bem ter saido da tela de algum filme do cinema noir.
Um fotógrafo experiente, de humor sarcástico. Sabia falar a linguagem das ruas, se fazendo entender e respeitar tanto pela polícia, quanto pelos bandidos, ou "malas" como ele preferia dizer em gíria policial.
Tinha mais de vinte anos de janela, grande parte deles no jornalismo policial. Atualmente trabalhava no pomposo "O Estado de São Paulo", mas havia feito carreira no extinto "Notícias Populares".
O NP sempre foi considerado por muitos como um tablóide de sensacionalismo barato, pois que não falassem isso perto do Patrício! Ele tinha tanto orgulho de ter trabalhado nesse jornal que até os dias de hoje contava os "causos" daquela época, sacando do bolso recortes de jornal, já amarelados pelo tempo, com a matéria que acabara de contar.
Era a foto do pescador! Uma prova de veracidade da história contada!
Seu recorte preferido falava de uma chacina onde um dos "mortos" havia se levantado e se entregado a polícia numa verdadeira "volta dos mortos vivos".
Nos divertíamos ouvindo essa história, de como ele percebeu, enquanto tirava fotografias das vítimas caídas no chão, que uma delas ainda respirava!

__ Chefão! Esse aquí ainda está respirando!

Disse ele ao policial no local.

__ É impressão sua!

Foi a resposta que ouviu!
Ficou lá, encucado com aquilo, até que chegou ao local a polícia civil e, para espanto de todos, o "morto" se levantou correndo e se jogou dentro da viatura.
O homem havia se fingindo de morto pois os policiais militares lá presentes eram os responsáveis pela chacina, quando os civis chegaram foi sua chance de sair vivo dalí!
Essa era apenas uma entre várias histórias.
O fato é que, sensacionalista ou não, foi do NP que sairam alguns dos maiores nomes do fotojornalismo nacional, tanto que o Patrício foi o único fotógrafo até hoje que ví conseguir publicar uma foto de chacina com corpos expostos no Estadão (se não me engano foi até capa dessa edição), acabando com o mito de que esse jornal não publicava corpos de mortos.

__ Basta saber fazer velhinho!

Ele dizia rindo!
Não era o único, mas era um dos poucos que sabia o nome e o número de cada delegacia de São Paulo, e mais, tinha uma história para contar sobre cada uma delas!

__ 1° Dp, Sé, alí na rua da Glória. Dizem qua esse distrito é assombrado! Deve ser, mas por funcionários fantasmas que nunca passam nada pra gente!
"2° Dp, Bom Retiro... "

E sua lista ia até o 103° Dp em Itaquera sem gaguejar.
No 14° Dp, em Pinheiros fiz parte de um de seus "causos", talvez não tão dramático quanto o morto vivo, mas que me foi uma verdadeira lição de jornalismo.
Aconteceu na mesma época em que o conhecí. Eu já trabalhava com jornalismo há algum tempo, mas era um novato na madrugada e posso afirmar tratar- se de outro jornalismo nesse horário!
A madrugada talvez seja o último refúgio da reportagem policial, ao menos a legítima! Diferente do dia, nesse horário não existe matérias mastigadas. Aos repórteres são necessários muito jogo de cintura e perspicácia para se decifrar os casos, montando os fatos como num quebra cabeça.
A história no 14° distrito nos chegou da seguinte forma:
A PM teria abordado bandidos em um veículo, roubado de um tenente da polícia militar alguns minutos antes e, após troca de tiros, os marginais teriam morrido.
Nos dirigimos para a delegacia onde o sargento responsável pela ocorrência nos deu uma entrevista padrão:

__ Foi pago via rede rádio o furto do carro do Tenente Calavare estacionado em frente a residência do mesmo.
"Em patrulhamento pela região nossa equipe se deparou com os indivíduos no veículo roubado. Na tentativa de evadirem- se do local os criminosos efetuaram disparos contra a guarnição que, em resposta a injusta agressão, teve pronta resposta atingindo os meliantes."
"Socorridos ao hospital mais próximo, não resistiram aos ferimentos e infelizmente entraram em óbito."

O sargento sacou então de dentro de sua viatura uma pistola desmuniciada e um pente de balas que teriam sido usados pelos criminosos na troca de tiros, colocando ambos os objetos sobre o capô do carro para que fossem feitas as imagens necessárias.
Acostumado a esse tipo de situação o José Patrício logo pediu autorização para mexer na arma e no pente e coloca- los na melhor posição para fotografa- los.

__ Fique a vontade!

Responde o sargento.
Essa melhor posição consistia em enfiar o pente dentro do arco protetor do gatilho da pistola, utilizando- o como suporte para manter o armamento em pé sobre o capô do carro.
Isso pode parecer não fazer diferença alguma, mas quem entende de imagem sabe que descolando o objeto de interesse da superfície em que se encontra ganha- se profundidade de campo, valorizando a fotografia.
Tentou, tentou, tentou e nada, o pente não entrava naquele gatilho de forma alguma!
O Patrício olhou irritado para a pistola e o pente e pondo- os de volta sobre o capô, um ao lado do outro, disse:

__ Vai assim mesmo!

E enquanto fotografava a pistola e o pente, o resto das pessoas alí presentes (imprensa, policiais, curiosos) ria dele e de seu desconcerto pela inabilidade com o armamento.
Matéria terminada, fomos para o Bar Estadão comer seu famoso lanche de pernil, enquanto comia aproveitei para tirar o sarro do Patrício:

__ Aquela pistola te derrubou, hein!?

Muito serio, ele olhou para mim por cima dos óculos.

__ Velhinho! Sabia que todo pente encaixa dentro da pistola a que pertence! É padrão de fábrica! Quando não encaixa é porque não pertence a ela!

Eu fiquei mudo enquanto ele continuou:

__ Quando ví que não encaixava dei uma bela olhada. Primeiro na pistola, uma bela 380 cromada! Depois nas balas do pente, não eram de 380, mas sim de 9mm.
"Não houve troca de tiros, pelo menos não com aquela pistola, que os pm's devem ter montado de improviso."
"O que provavelmente aconteceu é que os 'malas' deram o azar de roubar o carro da um tenente e foram executados por isso!"

De repente aquela situação perdeu a graça, enquanto estavamos rindo do Patrício os policiais nos enganavam e riam, não dele, mas de nós!
No fim ele era o único que sabia a verdade, isso porque não se limitou na versão oficial e montou os fatos, como num quebra cabeça.
Como já disse antes, um sujeito e tanto aquele José Patrício!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Felicidade

Felicidade é tudo aquilo que produz um sorriso!

domingo, 6 de setembro de 2009

Discussão

A pior discussão é aquela trocada apenas por olhares.

Somos todos vitruvianos!

Deixo claro que o 'quadrado' não é nenhuma teoria criada por mim!
Tive contato com ele numa aula de história da arte (mais especificamente sobre o construtivismo russo para os interessados) ministrada pela Prof° Dr° Magnólia Costa, e é fruto de anos de estudo dos mais brilhantes pensadores de nossa história.
Em alguns raros momentos de nossa vida temos a oportunidade de expandir nosso horizonte. E isso é tão bom! A possibilidade de ver certas coisas com maior clareza e ver detalhes antes desconhecidos.
Há quem considere a ignorância uma benção! Pois ao meu ver, se ela é uma benção, é uma benção egoísta e autodestrutíva. Tudo bem que muitas vezes o conhecimento nos coloque a par do pior que existe no ser humano, nos cause frustração e tristeza! Mas, se não tomarmos conhecimento de todos os nossos 'EUs' e de nosso 'NÓS', estaremos fadados a repetirmos cegamente os nossos erros, prejudicando outros e nós mesmos e, o que acho mais triste, sem nunca sabermos em quais momentos estivemos certos.
A mencionada aula sobre o construtivismo russo foi para mim um desses momentos onde nossa mente se abre, reduzindo, um pouco ao menos, o condicionamento cultural ao qual começamos a ser submetidos 2000 anos antes de nascermos.
Portanto, se a teoria do 'quadrado' em sí não é minha, os pensamentos a que ela me levou são. É bem provável que em alguns pontos minhas idéias cruzem com a de outros pensadores do passado, ou mesmo com as suas. Assim espero! Pois o caminho do conhecimento deve ser formado por diversas trilhas do saber entrelaçadas e não pela estrada única do absolutismo.
Há quem diga que o homem inventou a roda. Acho mais correto dizer que ele a copiou!
O círculo é a forma geométrica mais decorrente na natureza.
Da observação de uma pedra rolando por uma encosta até a confecção de uma roda foi questão de associação. Não estou dizendo que não tenha sido necessária inteligência para isso, mas creio que a verdadeira criação do homem (e talvez sua criação máxima!) tenha sido o 'Quadrado'!
Um formato que não existe na natureza, que homem algum jamais havia visto para poder reproduzi- lo. É o quadrado o símbolo da razão humana, e é sobre ele que erguemos nossa sociedade.
Exagero!?
Pare para pensar em nossa 'visão' e em nossa 'visão de mundo'.
Nosso olho, pupila, retina, córnea... Tudo em nossa vista é redondo, fisicamente nossa 'visão' também! Mesmo assim nossa 'visão de mundo' é quadrada! Basta ver o formato de nossas fotos, nossos quadros, a tela de nossa TV, a forma de nossos livros... Quadrados!
Se isso não for suficiente temos ainda nossa divisão de espaços: Lotes, blocos, quarteirões, até o planeta em que vivemos, que apesar de ser arredondado por natureza fizemos questão de dividi- lo em meridianos e trópicos como num tabuleiro de xadrez.
Nossos cômodos são quadrados: sala, quarto, cozinha... Nos cercamos tanto deles que nem mesmo os percebemos mais.
Nós mesmos estamos nos tornando quadrados e isso nos afasta cada vez mais de nosso ponto natural.
Em 1508 o Papa Júlio II procurava quem pintasse o teto da Capela Sistina, pediu então para Michelângelo uma prova de sua habilidade como artista. O pontífice recebeu surpreso do pintor um círculo perfeito, desenhado a mão livre!
O circulo é o símbolo do infinito, alpha e ômega em união perfeita, sem início ou fim, o diagrama da divindade!
Por volta da mesma época, outro renascentista, Leonardo da Vince, fez um desenho que se tornaria famoso até os dias de hoje: O homem vitruviano, que consiste na figura de um homem dentro de um círculo, sobreposta à mesma figura masculina, mas em posições de braços e pernas um pouco diferentes, dentro de um quadrado.
Gosto de olhar para o homem vitruviano e refletir sobre a luta entre a razão e a espiritualidade.
Talvez sejamos como ele, pessoas divididas entre o bem e o mal, o racional e o espiritual...
Entre o círculo e o quadrado.

sábado, 5 de setembro de 2009

Erros de Julgamento

Erros de Julgamento
Nosso erro é julgar os outros com base em nós mesmos!

Gentes

Existem muitas pessoas no mundo... Mas poucos tipos delas!

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Nem tudo que reluz é ouro!

Vivemos numa época onde certos valores parecem estar distorcidos, como se as pessoas não conseguissem mais diferenciar nitidamente o certo do errado, o bem do mal, numa espécie de miopia social!
O errado se tornou tão banal que muitas vezes o incorporamos em nossa rotina como se fosse algo normal.
Durante algum tempo mantive dois empregos. Esse, que mantenho até hoje como repórter cinematográfico na madrugada paulista, e outro como cinegrafista e iluminador nos estúdios de certa denominação religiosa.
Na madrugada se vê coisas terríveis, como pais que matam as três filhos, os esquartejam e jogam seus restos no lixo. Ou um homem religioso e trabalhador que um dia, sem qualquer explicação, surta e mata a mulher e os filhos a marteladas, deixando, antes de ser morto pela polícia, um rastro de 1 Km de carros destruídos.
São histórias que marcam em nossa memória, e que chocam quem as ouve.
Um dia, após ouví- las, uma repórter da Igreja onde trabalhava me perguntou como eu conseguia trabalhar na madrugada com jornalismo polícial, se não me sentia mal fazendo aquilo.
Minha resposta foi tão espontânea que até eu fiquei surpreso com ela:

__ Pelo contrário. Sinto- me mal fazendo o que faço aquí!

A repórter calou- se!
Eu também!
Cada um seguiu seu rumo. Mas enquanto arrumava a iluminação de um dos estúdios, tentava entender por quê havia dito aquilo! Por quê me sentia daquele modo!?
Encontrei minha resposta na história do soldado nazista, que é julgado após a guerra pela execução de vários judeus, mas afirma não ter nada contra esse povo:

__ Só seguí as ordens superiores!

Mas isso o isenta de sua responsabilidade? Ele não deveria diferenciar sozinho o certo do errado?
Um soldado nazista! Era assim que me sentia trabalhando para aquela igreja que não pregava amor ao próximo, mas sim prosperidade financeira!
Apesar de seus discursos embasados na bíblia, não tinham interesse real de que o mal se extinguisse, assim como um vendedor de lenços não quer que as pessoas parem de chorar.
Claro que conhecí pessoas íntegras nos círculos mais altos dessa denominação religiosa, mas infelizmente eram minoria.
Jung diz em um de seus textos a seguinte frase:

"Quem olha para fora, sonha! Quem olha para dentro, desperta!"

Eu despertei, me demitindo daquele trabalho nos estúdios da Igreja.
A madrugada pode ter casos de pura maldade, mas ela está nítida! É facil de não se deixar envolver, de manter distância.
Já, em outros lugares, o mal é tão sutil que, quando nos damos conta, estamos completamente envolvidos, como deve ter acontecido com muitos soldados nazistas!

Palavras "sinceras" porém sinceras

Escritores raramente escrevem mentiras. Preferem escrever "verdades".

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Temor Lúcido

Não há nada de errado em ter medo, é ele o sentimento que nos mantém no eixo, dentro dos limites da sanidade. A própria bíblia pede que sejamos tementes a Deus. Preocupe- se quando não temer nada, pois estará em território de loucos e suicidas!

Evolução

O homem não evoluiu, foram as coisas ao nosso redor que se modernizaram!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Amor e dor

Na fronteira livre entre  amor e ódio
Perdido! Hora d'um lado hora d'outro
Criando sozinho a discordia no peito
Judas! Sou eu! Que traio a mim mesmo.

Culpo inocentes por toda dor
Exilo de mim o melhor que sou
Me torno tirano num corpo deserto
Sem alma! Não vivo! Apenas existo!

Objeto!

Uma Flecha ao Léu

Subitamente a dor se foi! Nelson sabia que aquele seria o momento. Queria aquilo, mas não se podia dizer que estava feliz! Era impossível quando se estava morrendo!

"É bom parar de sentir dor!"

Não pensava só no corpo desgastado pela doença, o espírito era o mais abatido!
Sua vida sempre fora incrível! Vinha de berço, era bonito e confiante, sua namorada era linda, a amante ainda mais! Se formara em publicidade e era fotógrafo de uma das maiores agências do país, viajava o mundo fazendo o que gostava.
Tudo dava certo, não era difícil prever um futuro glorioso para ele... Até o imprevisto!
Câncer! Aos trinta anos!
Teve que parar de trabalhar, de viajar. Foi confinado a um quarto de hospital.
A beleza se esvaiu em sessões de quimioterapia e rádioterapia! A confiança também!
A namorada não aquentou a barra e se foi, a amante já estava em outra!
Para lhe acompanhar veio a dor, essa não desgrudava.
Todo o dinheiro não servia de nada, era ainda pior.

"Se fosse pobre pelo menos já teria morrido em algum hospital vagabundo!"

Era o pensamento nas crises mais brandas. Nas mais agudas só clamava por Deus! E sempre se considerou um ateu, tolo! É em momentos como esse que um homem descobre no que realmente acredita.
Agora a dor havia partido e em breve ele também partiria.
Fechou os olhos para que a vida toda passasse diante deles. Não viu nada!
Esperou então o tubo de luz que o levaria ao outro lado.
Nada!

"Porcaria!''

Pensou inconformado

"Pelo jeito nem mesmo a morte certa é previsível!"

Achados e Perdidos

__ Chefe! Chefe! Acharam este embrulho lá em cima!

O Tal do "chefe" (que na verdade era só o funcionário mais antigo dos dois componentes daquele departamento) olha a caixa amarela amarrada com fita vermelha e diz sem interesse:

__ Jogue junto com o resto!

__ Mas chefe...
__ Sem "mas"!

Aponta para a longa fila antes de continuar:

__ Não vê que estou ocupado!

Trabalhavam no departamento de achados e perdidos e o que mais tinha naquela cidade eram perdidos!

__ Próximo!

Num primeiro momento o funcionário não vê ninguém no guichê e repete:

__ Próximo!

A cabeça de uma garotinha de uns dez anos emerge então no balcão. O homem se debruça para vê- la melhor, perguntando:

__ Olá, meu anjo! Em que posso ajudá- la?

O "anjo" responde sem rodeios:

__ Perdí minha virgindade! Não tem nenhuma por aí? Não precisa ser a minha, pode ser a de qualquer um!

__ Infelizmente não posso te ajudar, minha querida! Isso é uma coisa que todos perdem e, apesar de saberem exatamente onde, jamais encontram novamente... Próximo!

A menina sai chorando, dando lugar a um homem de meia idade segurando um lenço ensanguentado contra o nariz.

__ Pois não?

Pergunta o atendente.

__ Perdi a paciêcia no trânsito hoje! Me faz muito mal perdê- la, olha só meu nariz!

__ Terrível! Ninguém se aproxime dele! Ele foi infectado com o TRÂNSITO!

O trânsito era o pior vírus da perda nos últimos anos, após ser acometido por ele a pessoa começava perdendo o tempo, depois a paciência, o respeito, alguns perdiam sangue, dentes e, as vezes, até a vida!

__ E o que eu faço agora?

__ Vá imediatamente para um hospital!

__ Obrigado amigo!

__ Mas não vá pela marginal, está tudo parado por lá!

O homem se vai apressado. Antes que o funcionário possa chamar a próxima pessoa a ser atendida, seu colega pergunta:

__ Chefe! No hospital eles tem a cura para o trânsito?

__ É claro que não! Mas pelo menos lá ele voltará a ser um paciente!

O "chefe'' nota que seu colega ainda segura o embrulho de presente.

__ Você ainda esta com isso aí?

__ Era isso que estava tentando lhe dizer, está vindo um barulho aquí de dentro!

O experiente funcionário pega a caixa e encosta o ouvido nela.

Tic... Tic... Tic... Tic... Tic...

Olha pálido para o amigo.

__ Será que é uma bomba?

Ambos ficam olhando para a caixa.

__ Pode ser que seja só um relógio!

Diz com otimismo o funcionário mais novo.

__ Não acho! Se fosse um relógio faria Tic- Tac, e não só Tic... Tic...

__ Talvez seja um relógio de um ponteiro só!

__ Ficou louco? Não existe relógio de um ponteiro só!

__ Pois se existe até sem nenhum ponteiro! Como os digitais!

__ Então sabichão! Me fala um relógio que tem um só ponteiro?

Ele pensa um pouco e, num estalo, responde:

__ A bússola!

__ Aí não vale, bússola é bússola e relógio é relógio!

__ Vale sim! São objetos irmãos, que são quase idênticos e tem quase a mesma função!

__ Quase idênticos tudo bem! Mas por quê quase a mesma função?

__ Ora! A bússola não aponta para o NORTE?

O funcionário mais velho concorda com a cabeça e o outro conclui seu raciocínio.

__ Pois o relógio aponta para a MORTE!

Não gostou de pensar em relógios apontando para o seu futuro, para sua morte!

__ Coloca logo esse presente junto com o resto das coisas!

__ Mas e se for uma bomba?

__ Não podemos fazer nada! Só esperar que não seja! O protocolo diz que qualquer objeto deve ser guardado aquí, devemos seguir as regras... Próximo!

"Trinta anos trabalhando aqui e o que recebo de presente? Afinal o que é o presente? Uma bomba prestes a explodir? Um relógio correndo apressado rumo a morte? Um mistério indecifrável?"

São os pensamentos qua vagam na cabeça do funcionário.

__ Próximo!

Repete irritado sem notar que já há uma pessoa no guichê.

__ Desculpe, senhora! Estava distraído! Mas, em que posso lhe ser útil?

A idosa responde com muita tristeza nas palavras:

__ Perdí minha juventude meu amigo!

O funcionário deixa cair seus ombros e desabafa:

__ Eu também! Minha senhora! Eu também!