sábado, 26 de setembro de 2009

Amélia

Acordou sentindo- se estranha naquele dia. Não teve tempo de descobrir o porquê, pulou da cama antes de todos e foi para cozinha preparar o café da manhã para o marido, que tinha que trabalhar, e os três filhos que, como sempre, tinha que acordar para que não perdessem a hora do colégio.

"Mãe! Fala pra Bia sair logo do banheiro que eu preciso tomar banho!"

"Querida, você sabe onde estão as chaves do carro?"

"Pega a minha mochila Mãe!"

"Cadê meu boné?"

"Passa minha saia!"

"Derrubei café no terno!"

"Cadê... Pega... Passa..."

E ela resolvia tudo enquanto sua família fartava- se com o desjejum.
Sem despedidas, era então abandonada naquela jaula de trinta metros quadrados no oitavo andar daquele prédio velho, junto a louça suja e migalhas por todo lado.
Também queria sair, mas não podia! Tinha coisas demais para resolver.
O trabalho doméstico não dava trégua!
Seus passeios haviam sido reduzidos a idas e vindas do supermercado.
Deixou um prato cair enquanto lavava a louça, sentindo- se uma inútil por deixar isso acontecer começou a chorar.

"Droga de mão boba!"

A mão estava inchada e dormente.
Recolheu os cacos e, antes de continuar as tarefas de limpeza, ligou a companheira para que conversasse com ela, a TV!

"Ah!"

Quase se esquecera!
Os comprimidos de fósforo para a memória!
O marido andava reclamando que ela andava muito esquecida.
Da cozinha foi para o banheiro.
Esfregou pia, vaso sanitário, azulejos, tirou cabelo do ralo, as toalhas molhadas... No quarto arrumou as camas, recolheu as roupas espalhadas, brinquedos, revistas... Lavou e pendurou roupas, passou as que estavam secas, colocou o arroz no fogo para a janta, passou pano na casa, tirou o pó... Parou!
Apoiou- se no encosto do sofá com uma dor terrível no peito. Caiu no chão se contorcendo, era um infarto!
Não tentou resistir, de certa forma era um alívio. Em alguns minutos estava morta. Morta e feliz!








"O arroz no fogo!"

Lembrou- se.
Levantou correndo de onde jazia e foi até a cozinha.
Sorte! Não estava queimado, mas teria que deixar o infarto para outro dia, tinha a vida inteira para morrer e ainda faltava fazer a mistura e o suco, em breve a família chegaria em peso para jantar.
Antes de continuar tomou mais um comprimido para memória, quase se esquecera do arroz no fogo.

"Imagina se meu marido fica sabendo disso!"

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