segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A Foto do Pescador

Um sujeito e tanto aquele José Patrício, um desses tipos que poderia muito bem ter saido da tela de algum filme do cinema noir.
Um fotógrafo experiente, de humor sarcástico. Sabia falar a linguagem das ruas, se fazendo entender e respeitar tanto pela polícia, quanto pelos bandidos, ou "malas" como ele preferia dizer em gíria policial.
Tinha mais de vinte anos de janela, grande parte deles no jornalismo policial. Atualmente trabalhava no pomposo "O Estado de São Paulo", mas havia feito carreira no extinto "Notícias Populares".
O NP sempre foi considerado por muitos como um tablóide de sensacionalismo barato, pois que não falassem isso perto do Patrício! Ele tinha tanto orgulho de ter trabalhado nesse jornal que até os dias de hoje contava os "causos" daquela época, sacando do bolso recortes de jornal, já amarelados pelo tempo, com a matéria que acabara de contar.
Era a foto do pescador! Uma prova de veracidade da história contada!
Seu recorte preferido falava de uma chacina onde um dos "mortos" havia se levantado e se entregado a polícia numa verdadeira "volta dos mortos vivos".
Nos divertíamos ouvindo essa história, de como ele percebeu, enquanto tirava fotografias das vítimas caídas no chão, que uma delas ainda respirava!

__ Chefão! Esse aquí ainda está respirando!

Disse ele ao policial no local.

__ É impressão sua!

Foi a resposta que ouviu!
Ficou lá, encucado com aquilo, até que chegou ao local a polícia civil e, para espanto de todos, o "morto" se levantou correndo e se jogou dentro da viatura.
O homem havia se fingindo de morto pois os policiais militares lá presentes eram os responsáveis pela chacina, quando os civis chegaram foi sua chance de sair vivo dalí!
Essa era apenas uma entre várias histórias.
O fato é que, sensacionalista ou não, foi do NP que sairam alguns dos maiores nomes do fotojornalismo nacional, tanto que o Patrício foi o único fotógrafo até hoje que ví conseguir publicar uma foto de chacina com corpos expostos no Estadão (se não me engano foi até capa dessa edição), acabando com o mito de que esse jornal não publicava corpos de mortos.

__ Basta saber fazer velhinho!

Ele dizia rindo!
Não era o único, mas era um dos poucos que sabia o nome e o número de cada delegacia de São Paulo, e mais, tinha uma história para contar sobre cada uma delas!

__ 1° Dp, Sé, alí na rua da Glória. Dizem qua esse distrito é assombrado! Deve ser, mas por funcionários fantasmas que nunca passam nada pra gente!
"2° Dp, Bom Retiro... "

E sua lista ia até o 103° Dp em Itaquera sem gaguejar.
No 14° Dp, em Pinheiros fiz parte de um de seus "causos", talvez não tão dramático quanto o morto vivo, mas que me foi uma verdadeira lição de jornalismo.
Aconteceu na mesma época em que o conhecí. Eu já trabalhava com jornalismo há algum tempo, mas era um novato na madrugada e posso afirmar tratar- se de outro jornalismo nesse horário!
A madrugada talvez seja o último refúgio da reportagem policial, ao menos a legítima! Diferente do dia, nesse horário não existe matérias mastigadas. Aos repórteres são necessários muito jogo de cintura e perspicácia para se decifrar os casos, montando os fatos como num quebra cabeça.
A história no 14° distrito nos chegou da seguinte forma:
A PM teria abordado bandidos em um veículo, roubado de um tenente da polícia militar alguns minutos antes e, após troca de tiros, os marginais teriam morrido.
Nos dirigimos para a delegacia onde o sargento responsável pela ocorrência nos deu uma entrevista padrão:

__ Foi pago via rede rádio o furto do carro do Tenente Calavare estacionado em frente a residência do mesmo.
"Em patrulhamento pela região nossa equipe se deparou com os indivíduos no veículo roubado. Na tentativa de evadirem- se do local os criminosos efetuaram disparos contra a guarnição que, em resposta a injusta agressão, teve pronta resposta atingindo os meliantes."
"Socorridos ao hospital mais próximo, não resistiram aos ferimentos e infelizmente entraram em óbito."

O sargento sacou então de dentro de sua viatura uma pistola desmuniciada e um pente de balas que teriam sido usados pelos criminosos na troca de tiros, colocando ambos os objetos sobre o capô do carro para que fossem feitas as imagens necessárias.
Acostumado a esse tipo de situação o José Patrício logo pediu autorização para mexer na arma e no pente e coloca- los na melhor posição para fotografa- los.

__ Fique a vontade!

Responde o sargento.
Essa melhor posição consistia em enfiar o pente dentro do arco protetor do gatilho da pistola, utilizando- o como suporte para manter o armamento em pé sobre o capô do carro.
Isso pode parecer não fazer diferença alguma, mas quem entende de imagem sabe que descolando o objeto de interesse da superfície em que se encontra ganha- se profundidade de campo, valorizando a fotografia.
Tentou, tentou, tentou e nada, o pente não entrava naquele gatilho de forma alguma!
O Patrício olhou irritado para a pistola e o pente e pondo- os de volta sobre o capô, um ao lado do outro, disse:

__ Vai assim mesmo!

E enquanto fotografava a pistola e o pente, o resto das pessoas alí presentes (imprensa, policiais, curiosos) ria dele e de seu desconcerto pela inabilidade com o armamento.
Matéria terminada, fomos para o Bar Estadão comer seu famoso lanche de pernil, enquanto comia aproveitei para tirar o sarro do Patrício:

__ Aquela pistola te derrubou, hein!?

Muito serio, ele olhou para mim por cima dos óculos.

__ Velhinho! Sabia que todo pente encaixa dentro da pistola a que pertence! É padrão de fábrica! Quando não encaixa é porque não pertence a ela!

Eu fiquei mudo enquanto ele continuou:

__ Quando ví que não encaixava dei uma bela olhada. Primeiro na pistola, uma bela 380 cromada! Depois nas balas do pente, não eram de 380, mas sim de 9mm.
"Não houve troca de tiros, pelo menos não com aquela pistola, que os pm's devem ter montado de improviso."
"O que provavelmente aconteceu é que os 'malas' deram o azar de roubar o carro da um tenente e foram executados por isso!"

De repente aquela situação perdeu a graça, enquanto estavamos rindo do Patrício os policiais nos enganavam e riam, não dele, mas de nós!
No fim ele era o único que sabia a verdade, isso porque não se limitou na versão oficial e montou os fatos, como num quebra cabeça.
Como já disse antes, um sujeito e tanto aquele José Patrício!

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