__ Chefe! Chefe! Acharam este embrulho lá em cima!
O Tal do "chefe" (que na verdade era só o funcionário mais antigo dos dois componentes daquele departamento) olha a caixa amarela amarrada com fita vermelha e diz sem interesse:
__ Jogue junto com o resto!
__ Mas chefe...
__ Sem "mas"!
Aponta para a longa fila antes de continuar:
__ Não vê que estou ocupado!
Trabalhavam no departamento de achados e perdidos e o que mais tinha naquela cidade eram perdidos!
__ Próximo!
Num primeiro momento o funcionário não vê ninguém no guichê e repete:
__ Próximo!
A cabeça de uma garotinha de uns dez anos emerge então no balcão. O homem se debruça para vê- la melhor, perguntando:
__ Olá, meu anjo! Em que posso ajudá- la?
O "anjo" responde sem rodeios:
__ Perdí minha virgindade! Não tem nenhuma por aí? Não precisa ser a minha, pode ser a de qualquer um!
__ Infelizmente não posso te ajudar, minha querida! Isso é uma coisa que todos perdem e, apesar de saberem exatamente onde, jamais encontram novamente... Próximo!
A menina sai chorando, dando lugar a um homem de meia idade segurando um lenço ensanguentado contra o nariz.
__ Pois não?
Pergunta o atendente.
__ Perdi a paciêcia no trânsito hoje! Me faz muito mal perdê- la, olha só meu nariz!
__ Terrível! Ninguém se aproxime dele! Ele foi infectado com o TRÂNSITO!
O trânsito era o pior vírus da perda nos últimos anos, após ser acometido por ele a pessoa começava perdendo o tempo, depois a paciência, o respeito, alguns perdiam sangue, dentes e, as vezes, até a vida!
__ E o que eu faço agora?
__ Vá imediatamente para um hospital!
__ Obrigado amigo!
__ Mas não vá pela marginal, está tudo parado por lá!
O homem se vai apressado. Antes que o funcionário possa chamar a próxima pessoa a ser atendida, seu colega pergunta:
__ Chefe! No hospital eles tem a cura para o trânsito?
__ É claro que não! Mas pelo menos lá ele voltará a ser um paciente!
O "chefe'' nota que seu colega ainda segura o embrulho de presente.
__ Você ainda esta com isso aí?
__ Era isso que estava tentando lhe dizer, está vindo um barulho aquí de dentro!
O experiente funcionário pega a caixa e encosta o ouvido nela.
Tic... Tic... Tic... Tic... Tic...
Olha pálido para o amigo.
__ Será que é uma bomba?
Ambos ficam olhando para a caixa.
__ Pode ser que seja só um relógio!
Diz com otimismo o funcionário mais novo.
__ Não acho! Se fosse um relógio faria Tic- Tac, e não só Tic... Tic...
__ Talvez seja um relógio de um ponteiro só!
__ Ficou louco? Não existe relógio de um ponteiro só!
__ Pois se existe até sem nenhum ponteiro! Como os digitais!
__ Então sabichão! Me fala um relógio que tem um só ponteiro?
Ele pensa um pouco e, num estalo, responde:
__ A bússola!
__ Aí não vale, bússola é bússola e relógio é relógio!
__ Vale sim! São objetos irmãos, que são quase idênticos e tem quase a mesma função!
__ Quase idênticos tudo bem! Mas por quê quase a mesma função?
__ Ora! A bússola não aponta para o NORTE?
O funcionário mais velho concorda com a cabeça e o outro conclui seu raciocínio.
__ Pois o relógio aponta para a MORTE!
Não gostou de pensar em relógios apontando para o seu futuro, para sua morte!
__ Coloca logo esse presente junto com o resto das coisas!
__ Mas e se for uma bomba?
__ Não podemos fazer nada! Só esperar que não seja! O protocolo diz que qualquer objeto deve ser guardado aquí, devemos seguir as regras... Próximo!
"Trinta anos trabalhando aqui e o que recebo de presente? Afinal o que é o presente? Uma bomba prestes a explodir? Um relógio correndo apressado rumo a morte? Um mistério indecifrável?"
São os pensamentos qua vagam na cabeça do funcionário.
__ Próximo!
Repete irritado sem notar que já há uma pessoa no guichê.
__ Desculpe, senhora! Estava distraído! Mas, em que posso lhe ser útil?
A idosa responde com muita tristeza nas palavras:
__ Perdí minha juventude meu amigo!
O funcionário deixa cair seus ombros e desabafa:
__ Eu também! Minha senhora! Eu também!
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
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