quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Achados e Perdidos

__ Chefe! Chefe! Acharam este embrulho lá em cima!

O Tal do "chefe" (que na verdade era só o funcionário mais antigo dos dois componentes daquele departamento) olha a caixa amarela amarrada com fita vermelha e diz sem interesse:

__ Jogue junto com o resto!

__ Mas chefe...
__ Sem "mas"!

Aponta para a longa fila antes de continuar:

__ Não vê que estou ocupado!

Trabalhavam no departamento de achados e perdidos e o que mais tinha naquela cidade eram perdidos!

__ Próximo!

Num primeiro momento o funcionário não vê ninguém no guichê e repete:

__ Próximo!

A cabeça de uma garotinha de uns dez anos emerge então no balcão. O homem se debruça para vê- la melhor, perguntando:

__ Olá, meu anjo! Em que posso ajudá- la?

O "anjo" responde sem rodeios:

__ Perdí minha virgindade! Não tem nenhuma por aí? Não precisa ser a minha, pode ser a de qualquer um!

__ Infelizmente não posso te ajudar, minha querida! Isso é uma coisa que todos perdem e, apesar de saberem exatamente onde, jamais encontram novamente... Próximo!

A menina sai chorando, dando lugar a um homem de meia idade segurando um lenço ensanguentado contra o nariz.

__ Pois não?

Pergunta o atendente.

__ Perdi a paciêcia no trânsito hoje! Me faz muito mal perdê- la, olha só meu nariz!

__ Terrível! Ninguém se aproxime dele! Ele foi infectado com o TRÂNSITO!

O trânsito era o pior vírus da perda nos últimos anos, após ser acometido por ele a pessoa começava perdendo o tempo, depois a paciência, o respeito, alguns perdiam sangue, dentes e, as vezes, até a vida!

__ E o que eu faço agora?

__ Vá imediatamente para um hospital!

__ Obrigado amigo!

__ Mas não vá pela marginal, está tudo parado por lá!

O homem se vai apressado. Antes que o funcionário possa chamar a próxima pessoa a ser atendida, seu colega pergunta:

__ Chefe! No hospital eles tem a cura para o trânsito?

__ É claro que não! Mas pelo menos lá ele voltará a ser um paciente!

O "chefe'' nota que seu colega ainda segura o embrulho de presente.

__ Você ainda esta com isso aí?

__ Era isso que estava tentando lhe dizer, está vindo um barulho aquí de dentro!

O experiente funcionário pega a caixa e encosta o ouvido nela.

Tic... Tic... Tic... Tic... Tic...

Olha pálido para o amigo.

__ Será que é uma bomba?

Ambos ficam olhando para a caixa.

__ Pode ser que seja só um relógio!

Diz com otimismo o funcionário mais novo.

__ Não acho! Se fosse um relógio faria Tic- Tac, e não só Tic... Tic...

__ Talvez seja um relógio de um ponteiro só!

__ Ficou louco? Não existe relógio de um ponteiro só!

__ Pois se existe até sem nenhum ponteiro! Como os digitais!

__ Então sabichão! Me fala um relógio que tem um só ponteiro?

Ele pensa um pouco e, num estalo, responde:

__ A bússola!

__ Aí não vale, bússola é bússola e relógio é relógio!

__ Vale sim! São objetos irmãos, que são quase idênticos e tem quase a mesma função!

__ Quase idênticos tudo bem! Mas por quê quase a mesma função?

__ Ora! A bússola não aponta para o NORTE?

O funcionário mais velho concorda com a cabeça e o outro conclui seu raciocínio.

__ Pois o relógio aponta para a MORTE!

Não gostou de pensar em relógios apontando para o seu futuro, para sua morte!

__ Coloca logo esse presente junto com o resto das coisas!

__ Mas e se for uma bomba?

__ Não podemos fazer nada! Só esperar que não seja! O protocolo diz que qualquer objeto deve ser guardado aquí, devemos seguir as regras... Próximo!

"Trinta anos trabalhando aqui e o que recebo de presente? Afinal o que é o presente? Uma bomba prestes a explodir? Um relógio correndo apressado rumo a morte? Um mistério indecifrável?"

São os pensamentos qua vagam na cabeça do funcionário.

__ Próximo!

Repete irritado sem notar que já há uma pessoa no guichê.

__ Desculpe, senhora! Estava distraído! Mas, em que posso lhe ser útil?

A idosa responde com muita tristeza nas palavras:

__ Perdí minha juventude meu amigo!

O funcionário deixa cair seus ombros e desabafa:

__ Eu também! Minha senhora! Eu também!

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