domingo, 27 de setembro de 2009

Uma História pelo Caminho

Geralmente escrevo sobre as histórias que vivo, sendo cinegrafista de jornalismo na madrugada isso não é difícil! Mas a história que conto agora foi ouvida por mim da boca do repórter com quem trabalho, um jornalista diferente de todos com quem já trabalhei, talvez por que venha da periferia e não de classe média como a maioria.
Viveu na pele injustiças e indiferenças e hoje orgulha- se de denuncia- las com seu trabalho. Doa a quem doer!

__Não sou assessor de imprensa de ninguém!

É seu lema!
E pelas histórias de sua vida é fácil entender como seu caráter foi formado.
Essa é apenas uma delas!


Era madrugada, já não me lembro exatamente o horário, saimos da base em direção a cidade de Francisco Morato nos arredores da capital paulista, contra minha vontade pois a matéria era sobre uma denúncia de omissão de atendimento por parte de alguns orgãos públicos. Para isso não precisavamos ir tão longe, qualquer serviço público alí no centro mesmo renderia a mesma matéria.
O melhor caminho para essa cidade é via Bandeirantes, mas como trabalhamos numa equipe reduzida (somos apenas eu, que sou cinegrafista e motorista, e o repórter, que acaba tendo que acumular a função de produtor) nossas verbas também são!
Cansados de pagar pedágio e não recebermos o reembolso, optamos por um caminho mais longo, porém sem tarifas, pela estrada Presidente Tancredo de Almeida Neves, ao fim da Raimundo Pereira de Magalhães em Perus.
Como toda estrada antiga, essa também era cheia de curvas sinuosas, buracos e escuridão, transformando uma viagem de vinte minutos numa de cento e vinte!
Mantivemos silêncio no carro por toda RPM e na Tancredo Neves de Perus até Caieiras. Eu estava de mau-humor e meu parceiro sabia respeitar isso. Mas ao chegar no entroncamento de Franco da Rocha o repórter viu aquelas bem conhecidas letras brancas de concreto com o nome da cidade e deu um pulo.

__Putz! Conheço esse caminho!

Eu não disse nada, apenas olhei para ele, que continuou.

__Quando era criança meus pais me trouxeram aqui!

Notando que viria uma de suas histórias de infância e tendo ainda um longo percurso pela frente, ajeitei- me no banco e continuei ouvindo.

__Eu tinha um tio, irmão de meu Pai, que teve de ser internado num manicômio aqui em Franco da Rocha.
"Não sei bem o que houve com ele, se foi bebida, drogas ou se simplesmente surtou, sabe como é, pra crianças os pais nunca contam muita coisa! O fato é que naquela época estresse, bipolaridade, depressão... Não existiam! Pelo menos não para nós que eramos muito pobres! Tudo tinha o mesmo nome: Loucura!
Tudo era mais difícil naquele tempo, por isso meus pais ficaram muito felizes quando conseguiram uma vaga para meu tio no hospital mental daqui, que era considerado o melhor do país, pelo menos ele teria o tratamento necessário!
Em um sábado ensolarado, uma ou duas semanas depois de seu irmão ter sido internado, meu pai resolveu trazer toda a família para visita- lo. Minha mãe, como boa dona de casa, preparou vários potes com guloseimas para nossa família e para meu tio. Eu via aquela 'viagem' como um verdadeiro pic-nic no campo, sensação que me era aumentada exatamente por esse caminho que fazemos agora, todo arborizado em seu redor!
Chegamos ao hospital de mala e cuia e fomos levados até o leito de meu tio.
Alí acabou nosso pic- nic!
Mal nos reconhecendo (e nós a ele que parecia um animal selvagem!) pulou sobre meu meu pai, que tentava conte- lo, rasgando sua camisa. Minha mãe se aproximou para ajudar seu marido e no meio da confusão os potes com comida acabaram indo ao chão, espalhando seu conteúdo por todo o quarto!
Meu tio desvencilhou- se de meu pai e acoado num canto do dormitório começou a enfiar toda aquela comida caída na boca: __ Está completamente louco! __ Disse meu pai saindo conosco daquele quarto dos horrores.
Na volta para casa nós três estavamos chocados, pude ouvir meu pai sussurrando com minha mãe: __ Está pior do que nunca! Não dá para vir aqui desse jeito!
E realmente não voltamos mais."

O repórter ficou em silêncio, mas eu sabia que sua história não havia terminado, então esperei, já estavamos na entrada da cidade e, vendo que precisava concluir logo sua história, ele continuou. Agora mais suscinto!

__Três meses depois meu tio faleceu! O laudo médico constatou que ele morreu de... FOME!
"Isso ficou na minha cabeça por anos! Será que ele estava tão louco quanto pensamos? Ou estava apenas faminto?
O fato é que o melhor hospital psiquiátrico do país deixou um de seus pacientes morrer de fome!"

Estacionei em frente ao posto médico de Francisco Morato, tinhamos chegado ao nosso destino, à nossa matéria. Não descí do carro, não antes de saber o fim da história.

__E o que aconteceu com o hospital?

Perguntei!

__Nada! Continuou sendo o melhor do país! Como disse, naquele tempo tudo era mais difícil e nós, muito pobres!
"Por isso tinhamos que vir aqui hoje, porque essas pessoas..."

E apontou para a frente do posto de saúde abarrotada de gente.

__Essas pessoas não tem ninguém para dar- lhes voz!

E desceu do carro com o microfone em punho.
Sem que visse, sorrí de admiração, peguei a câmera e, apontando para ele, disse:

__Gravando!

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